quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

CORA MENINA



Para Cora Coralina


Cora, Cora, Coralina
por dentro sempre menina
em seu sorriso a  candura
em seus atos a bravura
da interiorana mulher

Com suas mãos preparava
os docinhos mais gostosos
e com as mesmas compunha
os versos mais primorosos

Mexendo o doce no tacho
escrevendo em seu caderno
sua grande sabedoria
na simplicidade se revelava
na mulher de doces olhos
que a todos encantava.


Ianê Mello


*

Arte de Marcos Arthur


*

(Publicação original em 29.08.11)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

SEM MEDO



Longe bem distante
além da neblina
além da turva visão
embaçada por velhos costumes
pela estreiteza da mente
novos caminhos possíveis
esperam  ser trilhados
portas que se abrem
janelas  que descortinam
horizontes impensáveis
novas cores e matizes
aguardam um novo olhar

...

viver é saber ousar


Ianê Mello



(29.01.13)

* Pintura de Rene Magritte

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

ORA ISSO ORA AQUILO




Ora sou riso
ora sou pranto

envolta em meu próprio espanto
escrevo para não perder o juízo

transito entre a alegria e a dor
entre o cansaço e o amor

faço do minuto a eternidade
perco horas na saudade

componho versos sem valor
nas palavras encontro  companhia

um alívio para a dor
um antídoto, uma calmaria

no poema o ego se despe
da capa que me reveste

expressão do meu sentir
o equilíbrio do encontro

momento em que me confronto
entre o que sou e o porvir


Ianê Mello
(25.02.13)

*
Pintura de Igor Morski

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Se é amor



Pra que disfarçar
como negar
as evidências
se é amor deixa

f
l
u
i
r

e pronto.



Ianê Mello

(20.02.13)


*
Arte de Irina karkabi


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

CONSTRUÇÃO DIÁRIA



É assim como cair na estrada
sem eira nem beira
partindo em longa viagem
prá dentro de si

descobrir-se
desvelar-se
desnudar-se
a cada passo
em cada trilha
em cada atalho

desconstruir-se
para reconstruir-se depois
tijolo por tijolo

sem forma
sem molde
sem estereótipos

Viver é transformar-se
dia-a-dia


Ianê Mello
(02.02.13)

*
Arte de Alberto Seveso

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

FRAGILIDADES




Envolta em véus
face diáfana

De pálido espanto
desatino mudo

Filamentos de vida
frágil fio

Embriaguez desenfreada
êxtase fugaz

Modernidade disfarçada
em fractais

Fragmentos indissolúveis
Dissolução do eu

Desarmônica orquestra
melodia perdida...


VIDA





Ianê Mello

(18.02.13)


(Obs: Leia também de trás pra frente)

*
Fotografia de Anka Zhuravleva


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

BOM DIA




O dia levantou mais cedo
o corpo expulso da cama
preguiçoso e renitente
vagarosamente se levanta

A cara ainda amassada
olhos semicerrados
deixam entrar as primeiras
nesgas de luz

No céu, desavisadas estrelas
ainda brilham,
num último suspiro
antes de clarear o dia

Fugazes instantes
pelo olhar fotografados,
até se extinguirem
por completo

Capturadas pelo dia
se despedem dos sonhos
e o sol, em seus primeiros raios,
num sorriso diz:

-“Bom dia!”-

Ianê Mello
(15.02.13)


*



Pintura de Duy Huynh

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O OUTRO EM MIM



É... a vida que escapa da memória e se perde em devaneios . Quando é melhor esquecer para que a fantasia tome o lugar da realidade... sabe-se lá... E a fantasia ganha asas e voa cada vez mais longe e cria raízes e cada vez mais real ela se torna. Traveste-se de encantos e assume o lugar que não lhe pertencia. Faz-se tentadora com seus ardis e artimanhas com a expressão do desejo de uma vida não vivida. E quem não quer uma vida que não é a sua? A grama do vizinho é sempre mais verde e os frutos mais saborosos. O doce mistério de ser o outro! Apoderar-se de outra vida, de outro corpo, incorporar o outro em si e perder-se. Loucura insana ? Pode ser... mas o que importa? Quando se está perdido busca-se uma saída e há tantas portas!  E atrás de cada porta o desconhecido habita, sempre a espera para ser desvendado.


Ianê Mello

(04.02.13)

*
Arte: Gravura de Escher.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

POEMINHA DE CARNAVAL






Acabou o carnaval
em cinzas se transformou
despe tua fantasia
tira a máscara da falsa alegria
vem brincar de viver


Ianê Mello


(13.02.13)

*


Pintura de Jenny Marie Smith.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

UMA MULHER



E um dia uma mulher
cujo olhar você toca
aveludadas pétalas rosáceas
de botão se abrem em flor
doce mistério que se revela

E um dia uma mulher
cujo olhar você toca
resplandece em sua essência
como num conto de fadas
acalentado na doce infância

E um dia uma mulher
cujo olhar você toca
após infindável espera
aos seus olhos se mostra
tornando real o sonho

E um dia uma mulher
cujo olhar você toca
rompe a casca e se liberta
em suas mãos promessas
em seu corpo abrigo

E um dia uma mulher
em seu olhar se encontra
vidas que se entrelaçam
em seu ventre fértil
um novo recomeço


Ianê Mello
*



Pintura de Irina Vitalievna Karkabi 


  Et Un Jour Une Femme- Florent Pagny 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A TECELÃ





Sobre o peito o infinito vago
costurado em linhas finas de seda
tecelã aprendiz no ofício
com vagar minhas mãos tecem,
fio a fio,
cautelosas, mas precisas

Se o ponto erro
não desencanto
apenas o desfaço e
novamente busco o passo,
o compasso, o ritmo 

Tecendo, tecendo, tecendo
ritmados movimentos
nos pentes do tear

para frente
para trás
para frente 

para trás

A trama da vida
nos fios
a teia de ilusões
nas mãos que se entrelaçam
ponto a ponto

Com afinco, com dedicação
Construindo a trama como fiandeira,
delicadamente, como se fosse a última
como se fosse apenas a primeira.


Ianê Mello

(
2010/2013)


*



Fotografia do espetáculo “A Tecelã”.


A Tecelã - Tecendo








domingo, 10 de fevereiro de 2013

CARNAVAL, ÓPIO DO POVO




Fartei-me das palavras
que ninguém quer ouvir
os batuques soam mais alto
que minha fraca voz

Retumbam em minha mente
ecoando insistentemente
ensurdecendo meus sentidos 

calando minha agonia e meus gemidos

Minha voz ficou rouca de tanto gritar
e serpenteando se perdeu no ar 
nada se ouviu do que tentei falar
e o que calei, guardei em meu olhar

Todos os ouvidos estão surdos
ensurdecidos pelos ruídos
das ruas, dos carros, dos cantos
do rufar dos tambores

Para que tanta alegria? 
Para que a festa?
Por que toda essa folia
se essa babel enlouquecida é tudo que resta?

Confete, serpentina, lantejoulas
brilhos ofuscantes, falsos diamantes
mulheres deslumbrantes 
altivas em seus palanques

Sobre(s)saltos sempre muito altos
no corpo o nu que predomina
no rosto  a dor que se disfarça
na máscara que a face oculta

Falsa alegria que contagia
mas não a mim, que agonia!
Não fui sequer convidada
imagina que pesar!

Carnaval ... falsa alegoria... 
alegria em fantasia  disfarçada
Fogo fátuo que queima 
pra tudo se acabar em cinzas


Ianê Mello
*

Pintura de Joan Miró

sábado, 9 de fevereiro de 2013

RISO PINTADO




Lá vem o palhaço
com seu  nariz vermelho
sua boca pintada num sorriso
Ele pula, brinca, ri
alegrando todos ao seu redor
A platéia aplaude pedindo bis
Mas acabou o tempo
o show já terminou
Desce a cortina do palco
e o palhaço já cansado
de brincar de ser feliz
pega  água e sabão
lava seu rosto pintado
e pelo canto dos  olhos
desce uma teimosa lágrima
e o palhaço agora só
sorri de sua dor.



Ianê Mello


*
Publicado originalmente em 
22.08.11.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

SÃO TANTOS OS CAMINHOS






O caminho das pedras
Quem conhecerá?
O caminho preciso
O caminho perfeito
O melhor caminho
Existirá?

Ah, o melhor caminho
É o que se faz ao andar
Passo a passo
Devagar...

Pé ante pé
Sem pressa
A paisagem apreciar
Colhendo flores
Sentindo espinhos
Plantando sementes
Para frutos semear

Passos leves
Passos firmes
Parar para descansar
No sombreado de uma árvore
O cansaço repousar

Retas, curvas, atalhos
Tantos para trilhar
Pés por vezes cansados
Doridos de tanto andar
Uma bacia de água quente
Um pouco de sal grosso
Poderá aliviar

Poderíamos ter asas
Para às vezes poder voar
Mas asas não temos
Fomos criados assim
Seres bípedes e terrenos

O que nos cabe fazer então?
Acertar o passo
E seguir adiante...
Para onde seguir?
Nunca se sabe


Ianê Mello

(01.02.13)

*

Pintura de autoria desconhecida.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

ONDE CABE MINHA TRISTEZA





A minha tristeza cabe
em sonhos desfeitos
em intensos tremores
em profundos dissabores
na solidão compartilhada

A minha tristeza cabe
em procuras infindas
em tardes insalubres
em dislumbres febris
nos perdidos ardis

A minha tristeza cabe
em pontes para o nada
em estradas infindáveis
em caminhos tortuosos
no labiríntico viver

A minha tristeza cabe
em palavras suspensas
em perdidos amores
em insolúveis temores
no vazio derradeiro

A minha tristeza
Só não cabe mais
Em mim



Ianê Mello

(29.01.13)


*
Fotografia de Anka Zhuravleva

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

ENTREGUE AS CHAMAS



Ao cair 
da tarde
arde

...

como fogo
em brasa

e do corpo 
febril
lassidão
devora

antes de ir
embora

como lava
magma
vulcão
em erupção

adentra
esquenta
explode

...

em fogos
não artificiais

 artifícios
artefatos
da paixão

que emana
clama

...

em sua urgência



Ianê Mello



*

Pintura de Georgia O' Keefe





(Publicação original em 04.01.11)


domingo, 3 de fevereiro de 2013

O FIM


  
Sombras que me assolam
em noites sem lua
sentimentos ermos
escuridão de presságios
onde estará o fim?

Meus olhos se perdem
ofuscados pela noite
em sombras nas paredes
onde estará o fim?

Nesta lágrima que escorre
neste sangue que se esvai
nestas mãos nuas e frias
onde estará o fim?

Na escuridão que em mim habita
na solidão vazia
na terra que me consome
algo oculto neste peito indolente
nessa dúvida atrós
quem sou, para onde vou após o fim?



Ianê Mello


*
Pintura de Arthur Braginsky

sábado, 2 de fevereiro de 2013

VENTO NA VIDRAÇA





O corpo treme e o coração bate agitado enquanto a madrugada avança com seu manto impiedoso da solidão e a tempestade lá fora  contribui com assombrosos  ruídos dentro da noite escura que faz projetar sombras nas paredes nuas como fantasmas que assombram trazendo uma maldição aos habitantes desta casa sombria nos arredores do nada envolvida por gigantescas árvores que balançam ao vento provocando arrepios com o som de seus galhos a se baterem freneticamente contra  as vidraças enquanto ela a tudo assiste num misto de medo e fascínio com sua boca entreaberta de espanto quando escuta num sobressalto ao um estrondoso baque que parece vir do quintal e paralisada de terror encolhe-se no canto da sala e lá permanece a espera de algum acontecimento que justifique tal ruído fechando seus olhos por um breve instante quando num arrepio sente algo roçar em sua perna e sem coragem de abrir os olhos deixa escapar um grito aterrorizado quando sente algo úmido em seus pés descalços e ao abrir seus olhos após um longo esforço vê um par de olhos amarelados cravados nos seus e um som familiar lhe soa aos ouvidos. 




Ianê Mello

(29.01.13)

*

Fotografia de Manlarr.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

ENCONTRO PREDESTINADO




Assim quando me quedo
em sonhos desfalecida
em murmúrios inaudíveis
me vem a ânsia de tudo querer

Assim quando a espera
se faz tarde sombreada
nas palavras que se vestem
numa esperança inquieta

Assim quando me ponho a pensar,
vestígios de um dia em sobressalto,
assoladas incertezas se aquietam,
desejos em vontades transformados

Assim, somente assim, vislumbro
numa luz difusa o fim do caminho,
em passos percorridos outrora,
sementes que plantei sem aviso.


Ianê Mello

(24.10.12)


*


Pintura de Connie Chadwell

*

Publicado no Caderno Revista 7faces.

Caderno-revista 7faces 6ª edição


Sexta edição com rico conteúdo reunindo trabalhos de 22 poetas de Brasil, Portugal e Moçambique - a citar, Ricardo Dantas, Davi Araújo, Tiago Duarte Dias, Adriano Winter, Guerá Fernandes, Joice Berth, Marco Polo Guimarães, Ianê Mello, Pedro Belo Clara, Rosane Carneiro, Carina Carvalho, Paulo Lima, Natália Turini, Luís Garcia, Paula Cajaty, Nuno Júdice, Amosse Muscavele, Carlos Margarido, Amélia Luz, Paulo Vitor Grossi e Renata Bomfim. Em artes plásticas ensaio e estudos de Jordny e uma homenagem mais que especial à Dora Ferreira da Silva. Da poeta a revista traz inéditos, imagens, depoimentos e dois ensaios sobre sua obra: um de Alexandre Bonafim e outro, inédito no Brasil, de Euryalo Cannabrava (in memoriam) que fora publicado inicialmente pela Revista Colóquio/Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian. Ainda na edição, um apêndice com uma conversa franca com a filha de Dora, Inês Ferreira da Silva que relembra a relação com mãe e sua dedicação à poesia.


*
Poema de minha autoria: Encontro Predestinado (fls. 117/118)