Já havia perdido a conta do número de vezes que rolara na cama, de lá para cá, de cá para lá, como um pedaço que carne a rolar na farinha de rosca, antes de ser frito. Que agonia! A madrugada avançava lenta, minuto a minuto nos ponteiros do relógio que em sua cabeça se fazia ouvir: tic-tac, tic-tac, tic-tac ... O barulho persistente e contínuo e enlouquecia. Nem queria olhar as horas para não desesperar ainda mais. Aquele relógio perturbador contava sua insônia em seus ponteiros implacáveis, fazendo-a lembrar-se que ainda estava acordada. Para piorar a situação um maldito pernilongo cismara de compor uma sinfonia em seu ouvido: zzzzzzz... ou qualquer coisa parecida. Só fazia ela lembrar outro desagradável barulho que ouvia quando se sentava na cadeira do dentista, prenúncio de dor iminente: ZZZZZZZZZZZZ... fazia o motor do aparelho usado para obturações. E lá vinha ele com tudo em seu dente já dolorido causando aquela dor fina que se reza para acabar logo e nos deixar em paz. "Sai, pernilongo maldito, vou acender a luz e te caçar até estalá-lo contra a parede deixando aquela mancha de sangue, todo o sangue que você chupou durante essa noite. Me deixem em paz, quero dormir. Parem todos os barulhos, estou enloquecendo!"
Lá fora algo como um gato mia, deve estar no cio ou talvez seja a vizinha gemendo numa noite quente de amor com seu marido ou a solteirona com seu amante ou qualquer outra mulher em gozos de prazer. E ela aqui, na mão, isso não é justo. Se ao menos ela pudesse gozar bem alto e abafar todos esses barulhos em sua cabeça: relógio, mosquito, vizinha... "querem me tirar do sério." Ouve o barulho da moto na rua. Um passaro da noite ensaia o canto, talvez em seu ninho. "Ora, se isso é hora de ensaiar! "Vai dormir, passarinho. Até você de que tanto gosto nesse complô contra mim?" Ela ouve algo feito um uivo. Será um lobo? Lobo aqui, na cidade. "Estou mesmo enlouquecendo." Apura melhor os ouvidos, parece ser alguém doente gemendo. Agora parecia que todos os barulhos estavam dentro de seu quarto, ou melhor, dentro da sua cabeça. Relógio, mosquito, vizinha, gato, moto, passarinho, lobo, doente...
- Parem com esse barulho ensurdecedor! - ela grita furiosa.
Tão alto é o seu grito que várias luzes se acendem e as cabecinhas da vizinhança se faz perceber nas janelas abertas espiando para ver o que acontece no meio da madrugada. Que grito horroroso havia sido aquele! Ela sorri. Conseguiu acordar boa parte dos vizihos que dormia tranquilamente em suas casas. Agora, ela já pode dormir em paz. Ajeita um travesseiro embaixo de sua cabeça e o outro em cima. Se aconchega bem gostoso nas cobertas e adormece, finalmente, como um anjo.
Ianê Mello
Créditos de imagem: Pintura de Jacek Yerka.
5 comentários:
Muito bom o teu conto , amiga Ianê.
Um grande abraço. Tenhas uma linda tarde.
Obrigada, amigo Dilmar, pela constante presença e comentário.
Grande abraço e uma tarde de paz
.
Olá, boa noite!
Parabéns!
Você tem bom gosto e escreve muito bem, parabéns!
Felicidades,
selia
Precisamos ler mais prosa sua, amiga! Que lindo!
bjs
Obrigada pela visita e leitura, Selia e Ana. Bjs.
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