A solidão permeia o entardecer, tingindo de cinza o
alaranjado céu. A casa vazia, o silêncio em cada cômodo. Nos móveis antigos o
abandono retratado numa fina camada de pó que os recobre. Sobre as janelas, uma
pesada cortina de veludo cor de vinho se encarrega de filtrar qualquer passagem
de luz externa, qualquer contato com o mundo lá fora. No sofá esverdeado, com o
tecido já gasto pelos anos, um corpo repousa inerte. As mãos pendentes sobre o
corpo imóvel, que só se percebe com vida por um leve movimento em seu peito,
causado pela fraca respiração, lentamente cadenciada. Olhos fixos no teto onde
uma aranha distraída tece sua teia. O relógio bate as horas. Intermináveis
horas de dor e espera. Na parede um único retrato, já amarelecido pelo
tempo. Mulher de pele clara, rosto
emoldurado por fartos cabelos loiros e os olhos de um profundo azul. Um azul
tão intenso que se pode quase jurar que esses olhos podem ver através da
moldura, atravessando o tempo e a própria morte. Sim, essa mulher retratada já
viveu nessa casa um dia. Com ela, a alegria irradiava, preenchendo todos os
espaços. Tudo era só luz e beleza. Quando
ela se foi deixou apenas o vazio que nada pode preencher. Nessa mesma casa onde
tudo agora é só silêncio, sobrevivem os fantasmas do passado, nesse homem que
cultiva, dia e noite, noite e dia, a memória da mulher para sempre amada.
Ianê Mello
(07.11.12)
*
Pintura de Yuri Yarosh
Ianê Mello
(07.11.12)
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Pintura de Yuri Yarosh
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