parecia ser apenas uma barata como qualquer barata que se vê
por aí mas na verdade era uma barata
distinta e especial que parecia mexer as anteninhas quando algo lhe agradava e
além disso parecia gostar de música se é que é possível uma barata gostar de
música pois quando ouvia o som das cordas do meu bandolim se aproximava
e eu que não tinha medo de baratas continuava a tocar enquanto ela mexia
suas anteninhas suavemente como se fossem minúsculas perninhas de uma bailarina
a dançar e não parava enquanto eu tocasse o que começou a me fazer vaidoso por
ter uma platéia cativa tão atenta e participativa logo na fila do gargarejo o
que me fez acostumar-me a toda manhã esperar pela minha companheira de audição e
para ela tocar por horas até acontecer um fato inusitado quando comecei a tocar certa manhã e nada dela
aparecer o que me deixou consternado e a partir desse dia
tal fato se repetiu o que me fez temer pela ausência daquela que fez meus dias
se tornarem mais felizes e que tanto
contribuía para o aperfeiçoamento de minha arte e assim sendo resolvi dar uma
busca pela casa para ver se a encontrava quando meus olhos subitamente pousaram
em seu corpinho estendido no chão do banheiro de empregada com as patinhas para
cima e eu não querendo acreditar me abaixei e soprei de levinho para ver se
ela esboçava alguma reação mas suas anteninhas bailarinas permaneceram imóveis o que me fez compreender que havia
perdido minha companheira e em sua homenagem peguei meu bandolim e para seu
corpo inerte toquei uma triste canção de despedida
Ianê Mello
(09.12.12)
*Pintura de Pablo Picasso
Nenhum comentário:
Postar um comentário