segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

SOMBRAS DA INOCENCIA




era tudo tão estranho à luz difusa do velho abajur projetando sombras na parede como fantasmas a vigiar os corpos nus no leito revirado enquanto a noite ardia em tremores súbitos e o véu do encanto se dissipava em nós na aranha que tecia a teia lúgubre das horas enfeitiçada pelo tique-taque do relógio na parede pálida de espanto enquanto fora a chuva fina batia contra as vidraças e o vento cortante embalava as roseiras no jardim esvoaçando suas delicadas pétalas carmesim e suas hastes balançavam-se num confuso balé cuja música era o sibilar do vento que também se fazia ouvir no farfalhar das folhas das árvores em que pássaros pousados em seus galhos protegiam-se da chuva nessa noite em que tudo era silêncio ocultado nas sombras e até mesmo os bichos encolhiam-se em suas tocas  e a lua sequer se atrevia a desvendar-se entre as escuras nuvens que acobertavam malvadamente o brilho das estrelas como fosse esse ato impiedosamente condenado como profano e dele só restasse o ocultamento tornando-o inexistente aos olhos humanos que por assim serem o julgariam condenável e impróprio sendo portanto indigno e vergonhoso de ser propagado devendo permanecer nas sombras da noite como um fantasma indesejado de revelar-se mesmo que a pureza do amor que envolvia os dois amantes fosse o único propósito desse imponderável encontro tão inocente para ambos que permaneciam completamente alheios eternamente perdidos num sonho impossível tendo a noite como única testemunha muda desse amoroso desenlace


Ianê Mello

(02.12.12)

*
arte: colagem sem título de Lydia Roberts

2 comentários:

Dario B. disse...

É realmente pra se ler de um folego, rs, gostei muito Ianê, um bjo.

Unknown disse...

A noite, como a morte, traz sempre uma desculpa!
Mesmo para uma inocência desenfreada, certificada com o carimbo de "amantes", talvez num ato condenável,
mas que, mantido nos segredos dos deuses e da noite, sabia a luta desenfreada e vitória sem derramento de sangue, nem vitoriosos.
Venceram os dois a noite e venceu-os a fadiga dos amores continuados, num labirinto de sensações, numa disputa contra o tempo e as intempéries. A chuva o vento e frio,não lhes pertenciam. O que lhes cabia era o calor de um possível retorno.
E... amando-se se marcaram sofreram a vida imposível de tudo os que os perturbaria.
Cansados, mas felizes, partiram com sonhos de recuperação e de novo recomeço.