Eu fui uma menina por detrás da janela. A olhar os transeuntes que passavam e a observá-los curiosamente. O que seriam? Teriam família? seriam felizes? Assim eu via o mundo passar, como a Januária de Chico Buarque, que a que todos homenageavam. Só que a mim não prestavam homenagens. Eu parecia invisível aos olhos dessas pessoas em passos apressados. Para onde correndo tanto? E assim meu dias se repetiam, solitariamente, olhos presos na janela. Já reconhecia as pessoas, seus horários, seus trejeitos, seu andar, seu modo de vestir. A mesma cena se repetia como numa grande tela de cinema.
Eu me sentia num aquário, em meu habitat protegida, mas presa, sem participar ativamente do que do lado de fora se passava. Um mero peixe de olhos grandes e prescrutadores. Mas nesse aquário tinha a temperatura certa para o meu corpo, o alimento necessário, dosado para minha saúde, nada que pudesse me causar mal. estava protegida e segura. Mas será que valia pagar esse preço, a perda da liberdade, pela segurança. Valeria a pena manter-me nessa confortável posição em que tudo me era conhecido ao invés de arriscar-me na aventura do desconhecido? Do lado de dentro via tudo em preto e branco, os dias se passavam iguais. Algo me dizia que lá fora seria diferente. Pensava cada vez mais em sair da minha área de conforto e saltar para o lado de fora, para a vida real. Estar ali confinada, de certa forma não podia-se considerar uma vida completa, mas sim uma vida pela metade, que não correspondia a vida real.
Um dia, não podendo mais me conter, me atirei para fora. Estava quente e meu corpo começou a suar. Mas, pouco a pouco, fui vendo o preto e branco se transformar em diversas cores: o azul do carro que passava, o amarelo da margarida no jardim, o vermelho do sinal da rua, o verde do vestido da menina, o azul do céu, o branco das nuvens... Sim, a vida tinha colorido, eu sabia! E era lindo! Ouvi as vozes das pessoas, vi seus rostos de perto, senti aromas diversos. Minha dúvida se dissipou: sim, tudo aqui fora é diferente. Muito diferente do que via a menina na janela. Olhando inebriada tudo a minha volta, soltei um longo suspiro e sorri, um sorriso de quem agora sabe o que é viver e não quer mais viver pela metade.
Ianê Mello
Crédito de imagem: google
Nenhum comentário:
Postar um comentário