FALANDO DE MIM
O que dizer de mim ... falar sobre si mesmo é sempre uma tarefa difícil, por isso prefiro fazer-me conhecer através de minhas atitudes. Mas, vamos lá...
Sou uma pessoa em constante busca de algo mais que justifique minha existência. Não sou, pois não estou pronta, mas em constante transformação. Apenas estou.
Como diria Raulzito "eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo".
Como humana que sou, tenho consciência de minhas imperfeições e procuro extrair da vida tudo o que posso para me tornar uma pessoa melhor, para me aprimorar, pois acredito que seja esse, o caminho do resgate, que nos levará a libertação da nossa alma.
Realista, com os pés no chão, sei das minhas limitações, mas sempre busco superá-las. Quando algo depende de minha interferência e julgo importante, me empenho para que se realize, ao máximo; me entrego quando acredito, mas se sinto que não depende só de mim e o outro não faz a sua parte, procuro levá-lo a essa consciência.
Acredito no ser humano, embora tenha tido muitas decepções ao longo da minha vida, procuro não deixar de acreditar na bondade alheia. Apesar disso tenho meus sonhos e procuro concretizá-los, na medida do possível. Viram, o possível, a razão sempre presente. Apenas na poesia me permito grande vôos. Na vida aprendi a ser mais racional.
Sou extremamente sensível, com uma capacidade imensa de entrega e por vezes me machuco por isso. Espero mais das pessoas do que elas podem me dar e me decepciono. Amo incondicionalmente e com intensidade. Como em tudo que faço, não consigo fazer pela metade. Sou inteira e intensa em minhas emoções. Quando magoada perdôo, com o passar do tempo, mas ficam as marcas e não consigo mais me entregar, pois perco a confiança.
Acho os relacionamentos humanos um aprendizado constante. Como cada indivíduo tem as suas particularidades, o entendimento torna-se difícil. Com muito respeito e aceitação quanto as diferenças acredito que se consiga uma forma melhor de relacionar-se, mas os conflitos sempre haverão.
Sou autêntica demais, não consigo esconder o que sinto e quando não verbalizo mostro de outras maneiras meu agrado ou desagrado. Quando verbalizo sinto que muitas vezes não sou compreendida. Por não saber usar meias palavras as vezes magôo sem querer, mas prefiro a verdade dita, ao sentimento guardado que pode se transformar em algo pior. Não suporto hipocrisia e disse- me- disse. O que tenho que falar, falo para quem preciso e não para outros.
Respeito muito a individualidade alheia e procuro estar sempre atenta as necessidades das outras pessoas, assim como desejo que estejam atentas as minhas e nutram por mim o mesmo respeito.
Adoro os animais, mas não tenho nenhum, no momento, sob meuis cuidados. Mas gosto de observá-los livres. Os pássaros que vêm em meu terraço comer frutas, os beija-flores que vêm em busca da água com açúcar, as rolinhas para ciscar os farelos de pão. Respeito essa liberdade e com todos convivo na proximidade que eles permitem. Adoraria tocá-los, tê-los por um breve instante em minhas mãos para acarinhar sua penugem macia para ter o prazer de depois soltá-los e vê-los voar livremente.
Adoro música, sem ela não viveria. Canto pelo prazer de soltar a voz e exprimir minhas emoções. Cantar também é , como a poesia, uma catarse em minha vida.
Escrever é um prazer que preenche meus dias e me faz sentir mais completa. É uma catarse através da qual libero todas as emoções reprimidas e me sinto mais leve.
Sou de natureza solitária. Não vivo saindo, nem na cada de outras pessoas. Passo horas a sós com meus escritos, minhas leituras, minha música e meus filmes, mas, por vezes, sinto falta de conversar, trocar idéias, interagir. Quando num grupo, sou bastante comunicativa.
Sou flexível e carinhosa, mas também posso ser dura e distante, quando me sinto ferida, como um bicho acuado pronto para se defender.
Sou mansa e feroz, dependendo do que as circunstâncias me exigem.
Meus medos enfrento, encaro de frente buscando superá-los. Tenho fibra e coragem suficientes para a luta diária que a vida exige e a minha sempre me exigiu muito. Tornei-me forte nas intempéries, por necessidade de sobrevivência.
Viram só, para quem não queria começar, falei demais.
Ianê Mello, em Vozes em Madrigal, Sábado do conhecimento pessoal.
Créditos de imagem: Foto de Ianê Mello
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NUM DIA DE DOMINGO COMO OUTRO QUALQUER
Não sei como explicar o que sinto hoje. É domingo, será por isso? Nunca gostei muito desse dia, é bem verdade. Acordei tarde, meio que sem vontade de levantar da cama, mas isso já virou rotina. Tomei meu café. Depois, liguei o computador, que acaba se tornando um vício. Naveguei na internet, no facebook, li postagens, respondi e postei algumas. Em determinada hora almocei, sem muita vontade e voltei para o computador. Fiquei nele mais nem sei quanto tempo. As costas e os dedos começaram a doer . Não tinha mais posição.
Saí do computador, pois não aguentava mais e liguei a televisão. Assisti a dois seriados seguidos, coisa que não é meu costume. Nos dois haviam ocorrências de morte. Crimes a serem desvendados, onde qualquer um podia ser o culpado. Crimes movidos por raiva, inveja, traição... cometidos por mentes doentias. Realidade mais crua do que essa, impossível. A vida humana totalmente desvalorizada.
E qual o significado da vida para muitas pessoas? Algo de real importância e valor? Algo a ser preservado e cuidado? Há pessoas que a começar por si mesmas demonstram não dar importância a vida. Não se cuidam. Bebem demais, comem demais, trabalham demais, se drogam ou abusam de barbitúricos. Assim levam a vida e por vezes antecipam sua ida. Mas existem coisas além destas que falei, sem dúvida, que também indicam uma desvalorização da própria vida.
O comodismo é uma delas. Pessoas que vivem presas a situações que lhe causam desconforto, infelicidade, desprazer. Se entregam a rotina, a mesmice por não encontrarem forças para mudar. O novo realmente assusta e pode parecer incrível que prefiram continuar infelizes a investir numa mudança. Claro, para mudar é preciso ousar e para isso é necessário sair da sua zona de conforto. Entenda-se por zona de conforto a situação a qual a pessoa já se acostumou, já é sua conhecida. Mudar exige muito esforço e o esforço maior é a transformação interior. A mudança tem que vir de dentro para fora. Não há como modificar o externo sem lidarmos com nossas próprias atitudes, conceitos, valores, medos; sem questionarmos a nós mesmos. Tudo o que fazemos nessa vida tem suas consequências: lei da ação e reação. Portanto, somos os responsáveis pela nossa própria vida. Não adianta culpar o outro. Arranjar bodes expiatórios é muito fácil. A grande dificuldade é olharmos para dentro de nós mesmos. É convivermos com nossos próprios erros. É conseguirmos nos enxergar como somos de fato e não a imagem que passamos para o outro e com a qual, muitas vezes, tentamos ludibriar a nós mesmos.
Como é doloroso sentir-se só, mesmo que rodeada de pessoas. Cada qual é um ser único, com suas preferências, com sua linguagem. Como por vezes é difícil o diálogo! Parece que falamos línguas diferentes, que não há compreensão. Estrangeiros, é como nos sentimos, em nosso próprio país. E como explicar para o outro ao seu lado essa angústia que lhe assola, que machuca por dentro. Talvez seja melhor o silêncio, o voltar-se para dentro. O medo de falar e ser mal interpretado leva ao silêncio, mas e quando o silêncio pesa, torna-se demais para suportar. O que fazer? Escrever, escrever, escrever...
Um poema, um conto, uma crônica, não importa o rótulo que possa ser dado, para você é um desabafo, uma catarse que vem do fundo de sua alma. Pode não resolver por completo, mas dá um alívio imediato. Como um remédio que se toma e não cura, mas apenas ameniza a dor, servindo de paliativo.
O problema continua a existir e vai gritar dentro de você até que você um dia acorde, porque procurar a cura para a doença é nosso dever e responsabilidade. A escolha é nossa. Conviver com a doença, tomando um remedinho para aliviar quando a dor vem forte ou descobrir o que nos causa essa doença e como podemos efetivamente tratá-la.
Afinal, a vida é nossa, de mais ninguém e nós escolhemos como vivê-la.
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SOMOS SÓIS
SOMOS SÓIS
Te beijo a boca sôfrega de
paixão. Sorvo sua língua de hortelã. Bebo sua saliva até a última gota. Cálice
de vinho tinto, doce e suave. Você está em mim como fogo em brasa, que arde e
não queima. Seu cheiro a penetrar em minhas narinas, almiscarado. Seus olhos
semafóricos me dizem siga e eu me embebo em sua seiva. Seus cabelos de azeviche
cheirando a pêssego nos quais pouso minha cabeça e aspiro o perfume. Na curva
entre pescoço e ombro me entrego menina. Corpo contra corpo, côncavo e convexo,
encaixados como peças de um quebra-cabeça. Não, não se perca de mim por entre a
multidão aflita. Não me deixe perder-me de você. Nossas mãos são elos de uma
corrente poderosa. Almas interligadas. Vejo através de seus olhos escuros. Me
enxergo. Você me vê em mim. Banalizar o amor é fácil para quem não ama.
Tratores passarão para derrubar nossos sonhos. A vida nos desvia dos caminhos
certos. Tantas placas, tantas sinalizações, tantos caminhos. E por quantos já
passei. E quantos julguei ter amado. Quantos amores mastiguei com minha boca
ávida extraindo deles todo o sumo para depois cuspi-los ao chão como um
chiclete que perdeu o sabor. O engano de se ter quem se deseja e a tristeza
quando se vê que não se tem ou não se quer mais. Mas você... ah, você! Você é
para mim um encaixe perfeito. Me olha e vê em mim o que sou quando estou
contigo. Não desvia o olhar. Coragem. É preciso coragem para a entrega. Não,
não quero que seja mais um cigarro que fumo até o filtro e depois amasso no
cinzeiro já lotado. São tantos amores perdidos. Mas como preservar esse
sentimento nesse mundo louco, em constante surto. Nesse caos urbano, nessa
infinita pobreza, entre corpos pelo chão, lixo, esgotos, poluição, maldade,
solidão humana. Mas somos nós, somos nós, sós. Mas somos outros, somos outros
quando estamos entre eles, entre todos. Somos nós, a sós, dois sóis. Mas lá
fora é escuro, a negra fumaça que esconde os vultos sem direção, sem rumo, os
pobres de espírito, os pobres de amor, os pobres... Pobre de quem nunca amou. A
inveja do amor que não se teve é veneno. Os olhares sugam esse amor que é
nosso, invejosos, desejosos de destruí-lo, de fazê-lo em pedaços como são suas
despedaçadas vidas. Rondam pelas ruas, pelos becos e avenidas, zumbis de almas,
perdidos nos descaminhos. Sugadores de energia, vampiros. Querem de nós a vida
pois não sabem o que fazer, aonde ir, perdidos que estão no mundo dos humanos.
Somos tudo e somos nada. Destinos a cumprir sem saber por que. O que nos puxa
para baixo e o que nos eleva, nessa alternância, nessa inconstância de altos e
baixos sem fim. Quando você se vai, metade de mim vai contigo. Fica só a outra
metade a te procurar, tateando no escuro. Nessa escuridão me perco entre
pesadelos assombrosos e personagens antigos. Vidas que passaram e bem não me
recordo. O que sou, onde estou? Esse corpo é meu corpo? Falta-me o espelho de
seus olhos para que eu me veja. Falta o aconchego de seus braços para que eu me
encontre. Faltamos nós. Nós juntos, sós, somos sóis.
Créditos da imagem: Site olhares - fotografia online -O Beijo, por Vítor Silva.
A MENINA DO AQUÁRIO
Eu fui uma menina por detrás da janela. A olhar os transeuntes que passavam e a observá-los curiosamente. O que seriam? Teriam família? Seriam felizes? Assim eu via o mundo passar, como a Januária de Chico Buarque, a quem todos homenageavam. Só que a mim não prestavam homenagens. Eu parecia invisível aos olhos dessas pessoas em passos apressados. Para onde correndo tanto? E assim meu dias se repetiam, solitariamente, olhos presos na janela. Já reconhecia as pessoas, seus horários, seus trejeitos, seu andar, seu modo de vestir. A mesma cena se repetia como numa grande tela de cinema. Eu me sentia num aquário, em meu habitat protegida, mas presa, sem participar ativamente do que do lado de fora se passava. Um mero peixe de olhos grandes e prescrutadores. Mas esse aquário tinha a temperatura certa para o meu corpo, o alimento necessário, dosado para minha saúde, nada que pudesse me causar mal. Estava protegida e segura. Mas será que valia pagar esse preço, a perda da liberdade, pela segurança? Valeria a pena manter-me nessa confortável posição em que tudo me era conhecido ao invés de arriscar-me na aventura do desconhecido? Do lado de dentro via tudo em preto e branco, os dias se passavam iguais. Algo me dizia que lá fora seria diferente. Pensava cada vez mais em sair da minha área de conforto e saltar para o lado de fora, para a vida real. Estar ali confinada, de certa forma não podia-se considerar uma vida completa, mas sim uma vida pela metade, que não correspondia a vida real.
Um dia, não podendo mais me conter, me atirei para fora. Estava quente e meu corpo começou a suar. Mas, pouco a pouco, fui vendo o preto e branco se transformar em diversas cores: o azul do carro que passava, o amarelo da margarida no jardim, o vermelho do sinal da rua, o verde do vestido da menina, o azul do céu, o branco das nuvens... Sim, a vida tinha colorido, eu sabia! E era lindo! Ouvi as vozes das pessoas, vi seus rostos de perto, senti aromas diversos. Minha dúvida se dissipou: sim, tudo aqui fora é diferente. Muito diferente do que via a menina na janela. Olhando inebriada tudo a minha volta, soltei um longo suspiro e sorri, um sorriso de quem agora sabe o que é viver e não quer mais viver pela metade.
RAPTO NOTURNO
Era perto da meia-noite. Lembro como se fosse hoje. Eu tinha 7 anos e era
véspera do meu aniversário. A campainha de casa tocou e ninguém podia supor quem
seria tão tarde da noite. Era meu pai... parecia meio transtornado, não bêbado,
pois ele não bebia, mas bastante nervoso. Invadiu a sala, apesar dos protestos
de minha mãe, assustada e aturdida. Foi até o meu quarto. Eu dormia
inocentemente, como só as crianças dormem, e ao sentir seus braços a me levantarem
da cama, despertei assustada. O que se passava? O que ele estaria pretendendo
fazer? Ele disse, percebendo minha apreensão ” fique tranquila, vim te buscar”
e enrolando-me no lençol, carregou-me nos braços, passando apressadamente pela minha mãe, que parecia estar em estado de
choque, tomada pela surpresa. Independentemente de seus protestos, dirigiu-se
para a porta, descendo a escadaria com um certo cuidado, afinal me carregava em
seus braços, e nem era um homem forte, muito menos jovem. Parecia estar imbuído
de uma vontade inabalável, nada o faria desistir de sua decisão: tirar-me da
casa de minha mãe, aonde até então eu vivia desde a separação dos dois. Estava
tão absorto em seu objetivo que sequer percebeu que eu chorava baixinho. Acho
que naquele momento me senti raptada pelo meu próprio pai. Sensação por deveras
estranha. Minha mãe, finalmente se recuperou do choque e começou a gritar, o
que despertou parte da vizinhança que começou a se empoleirar nas janelas de
seus apartamentos para ver o que acontecia. Mas ninguém nada fez. E ele seguiu
comigo em seus braços, até chegarmos ao táxi que nos esperava. Eu não disse uma
palavra sequer... não conseguia articulá-las, estava tomada de uma sensação
muito estranha e indecifrável. O primeiro amor de uma menina é seu pai e eu o
amava, como era de se esperar. Mas me sentia confusa, pois achava o que ele
tinha feito errado e não conseguia compreender o que o levou à uma atitude tão
drástica. Claro que compreendia o quanto ele devia sentir a minha falta, bem como
eu sentia a dele, mas tudo poderia ter sido conversado entre nós e com o
consentimento de minha mãe, uma vez
expresso meu desejo, eu teria ido morar com ele . Assim, acabariam as
noites sacrificadas em que ele ia visitar-me depois de um longo e cansativo dia
de trabalho. Nas noites em que sentado à escada ao meu lado brincávamos de
escola. Eu, a professora, ele, o aluno atento. Sim, eu era capaz de compreender
o quanto isso era difícil para ele, um homem que já tinha uma certa idade,
embora gozasse de perfeita saúde e tivesse muita disposição. Estava no banco detrás do táxi e pude ver
parcialmente seu rosto. Estava lívido. Apesar de tudo, tive pena dele nesse
instante, pois talvez essa fosse a forma que ele encontrara de demonstrar o
quanto me amava. O amor pode ter formas estranhas de se expressar e isso a vida
começara a me ensinar naquela noite.
*
Arte de Ben Newton
Um dia, não podendo mais me conter, me atirei para fora. Estava quente e meu corpo começou a suar. Mas, pouco a pouco, fui vendo o preto e branco se transformar em diversas cores: o azul do carro que passava, o amarelo da margarida no jardim, o vermelho do sinal da rua, o verde do vestido da menina, o azul do céu, o branco das nuvens... Sim, a vida tinha colorido, eu sabia! E era lindo! Ouvi as vozes das pessoas, vi seus rostos de perto, senti aromas diversos. Minha dúvida se dissipou: sim, tudo aqui fora é diferente. Muito diferente do que via a menina na janela. Olhando inebriada tudo a minha volta, soltei um longo suspiro e sorri, um sorriso de quem agora sabe o que é viver e não quer mais viver pela metade.
RAPTO NOTURNO
Ianê Mello
(01.02.13)
(01.02.13)
Arte de Ben Newton
2 comentários:
Bom demais Ianê! Confesso que enquanto lia conseguia enxergar nos seus escritos a maior parte do que sou e as coisas que sinto! hehe! =)
Sou de natureza solitária. Isso é muito profundo e diz muita coisa!!! =) Abraços!
É gostoso quando sedá essa empatia, tanto para quem lê, quanto para o autor.
Obrigada pela presença carinhosa por aqui.Espero que volte mais vezes.
Bjks.
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