quinta-feira, 30 de junho de 2011

Verdadeiramente Nua




Escrevo como quem sangra
as dores de um sofrido coração
Não tenho cartas na manga
sou toda e pura emoção

Não sei fingir, nem mentir
palavras que não sinto
Tudo que posso é sentir
e prosseguir existindo

Se a dor é por demais profunda
encontro em mim  mesma a cura
Nesse meu querer, fecunda
a mais perfeita brandura

Amar posso com certeza
Tanto tenho de amor em mim!
Mas não existe grandeza
em terminar só, no fim

Quisera pudessse encontrar
amor semelhante ao meu
e as feridas cicatrizar
de um amor que já morreu.


Ianê Mello

PALAVRA MALDITA

FORMIGUINHA COMILONA






Era uma vez uma formiga que queria comer tudo que via pela frente. Ela era terrível! O terror das donas de casa! Adorava bolos, docinhos, pães doce e , se não tivesse nada mais apetitoso, um açucarzinho quebrava o galho. Mas a vida dela não era fácil, não! Vivia fugindo das mãos gigantes que tentavam esmagá-la...tadinha. Ela corria prá cá e prá lá, morta de medo. Mas a gula era maior que o medo e ela voltava. Entrava até dentro das embalagens plásticas, vai saber como! Vai ver que sua língua possui algo cortante que fura as embalagens (risos). Ela dava seu jeitinho, afinal é brasileira! E elas são unidas pra caramba, porque umas avisam para as outras dos quitutes disponíveis e daqui a pouco vem aquela fileirinha indiana para a comilança. Vocês bem sabem do que estou falando. Quem já não colocou o açucareiro num prato com água ou usou uns quadradinhos que não lembro o nome, que garantem que a danadinha não chega nem perto. Será? Eu já vi uma fileirinha de formigas, uma dando a mãozinha pra outra, fazendo uma ponte sobre a água do prato para chegar ao doce. Tá pensando que sou louca? Sou não... é verdade. Experimenta observar na sua casa. Mas dá peninha, é um bichinho tão pequenininho (que podemos esmagar com o toque do dedo), trabalhador e organizado, mais que muito ser humano... O que custa deixá-las degustar um pouquinho de nossos doces. Afinal, com aquela boquinha tão pequeninha, não farão nenhum estrago e ainda sobrará bastante pra gente.






Ianê Mello

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Como o fluir de um rio


 

Gostaria de poder chorar
e em minhas lágrimas derramar
todo o pranto
em meu peito congelado
em momentos de espanto.
...........................................

  

Ianê Mello



Crédito de imagem: Jonh Collier " The Water Nymph "

NUM DIA CHUVOSO

Pintura de Merle Keller






Chovia... Era uma chuva densa, de pingos grossos. Daquelas chuvas de verão que nos pegam de surpresa, sem nenhum guarda-chuva na bolsa. A roupa rapidamente se encharca e provoca na pele um leve arrepio. Pessoas correm de lá para cá, num alvoroço. A chuva costuma provocar esse tipo de reação. Parece que as pessoas podem se liquefazer quando expostas a água. Mas eu não sou diferente não. Procuro também por um abrigo, um lugar qualquer para me proteger. Encontro um barzinho aconchegante e cheirando a café e bolinhos recém saídos do forno.  É tudo que preciso agora... Está bem cheio, será que todos tiveram a mesma idéia que eu? Procuro uma mesinha discreta, pois não gosto de ficar muito exposta. Prefiro as mesas de canto, onde tudo vejo, mas não me torno o foco. Peço a garçonete o cardápio. Hum, quantas delícia tentadoras! Por que tudo que é gostoso engorda? Coisas de mulher. Sempre preocupada com a silueta. Ah, esquece, hoje é um dia incomum. Relaxa... Olho o cardápio com olhos de desejo, indecisa. Acabo optando por waffles com mel acompanhado de uma boa xícara de chocolate quente e cremoso. Que delícia! Enquanto aguardo meu pedido, olho ao redor, como boa observadora que sou. Não gosto de ser observada, mas gosto de observar. No café existem as pessoas mais diversas. Acompanhadas e sós, como eu. Em cada rosto uma expressão, em cada olhar uma visão, em cada gesto um pouco de cada um. As pessoas se diferem por tantos detalhes... Um gesticular excessivo de mãos ( as extrovertidas demais) ou até um não saber onde colocá-las (as excessivamente tímidas). Um olhar evasivo ou invasivo. Aquele olhar que olha e não vê, que parece passar através de você e aquele outro que parece te dissecar alma. Ui... desses eu fujo! Vozes contidas, comedidas, baixas e calmas e outras explosivas, altas e espalhafatosas, como se quisessem todas as atenções para si. Pessoas... cada qual com suas características tão peculiares, tão únicas.  Detalhes de um ser que se desvenda perante o mundo, em seus meandros, em suas vestes, em sua postura, em seus gestos, em seu olhar, em seu falar (ou calar). Cada ser humano é um mistério a ser desvendado. Cada ser humano é um universo em si. E é justamente isso que o torna tão instigante e rico.





Ianê Mello 

terça-feira, 28 de junho de 2011

AO SOM MELODIOSO







Como as teclas de um piano
podem resistir ao suave toque
de melodia tão harmoniosa
e repleta de ternura

As notas de saudade que expressam
são um chamamento ao amor
e alguém há de ouví-las
e atender ao seu clamor

No quadro pintado a mão
com a mesma sutileza do toque
haverá um imenso coração
que a natureza provoque

E os risos serão suaves
de reconhecimento e alegria
e a vida os tornará graves
nessas recordações de um dia


Ianê Mello

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Filhos da Luz




De alabastro
translúcido mineral
incensos e perfumes
a queimar
De cristal
transparente
claro e límpido
De lume
perfeita fonte de luz
reluzente clarão
De perfume
odores de rosa
amadeirados
alecrim, cravo
e canela
De planícies
suave relevo
plano
de beleza ímpar
De constelações
linhas imaginárias
brilhantes formas 
Do universo
o todo, o tudo
estrelas
planetas
satélites
seres vivos
inanimados
nós humanos
feitos de sombra 
feitos de luz
de vida e de morte
do tudo e do nada
seres viventes
nesse Universo
criaturas tal o alabastro
filhos do pó 
de estrelas


Ianê Mello

Comunhão de Corpos


















Desnudos
Desprotegidos
Transparentes
Na vertigem do momento
Entregues a beleza desse instante
Fugaz, porém intenso
Mãos, pele, lábios
Ouvidos, nucas, pernas
Odores, suores, química
Gestos, toques, abraços
Corpos embebidos em fluídos,
seus, meus, nossos
Sólidos, liquefeitos, etéreos
Encontro visceral
Sentidos aguçados
Enquanto lá fora
a lua branca brilha
iluminando nossos corpos nus
E quando pela cansaço vencidos
nos espamos do gozo que estremece,
deitamos, lado a lado, enternecidos
e o dia lá fora já amanhece.




Ianê Mello




PÉ NA ESTRADA






Para Jack Kerouac








On the road
chupando drops de anis
pé na estrada
o mundo é o limite
liberdade a favor do vento
novas paisagens
campos, cerrados, planícies
montes, montanhas, mares
a vida no acelerador
o barulho do motor
e o sol quente  na face rubra
cabelos ao vento em desalinho
ao som de Rolling Stones
....pedras vão rolar...
Jack Kerouc já sabia
a estrada é o melhor lugar
libertar-se das amarras
desbravar o mundo 
sobre rodas.




Ianê Mello





domingo, 26 de junho de 2011

O Recomeço

Pintura de Francine Van Hove

Há manhãs que são assim
onde o sol se esconde
por detrás de nuvens escuras
E o que se pode fazer
nessas longas manhãs
de saudade e espera?

Lentas, tristes, repletas de recordações
de manhãs outrora belas,
inesquecíveis à lembrança
doloridas para quem espera

Até quando esperar
por essse amor que não vem
Quase sem respirar...
que poder esse que ele tem?

As manhãs serão assim
sempre na eterna espera
Até quando decidir
que chegou a primavera

Veja a nova estação
Bela em suas cores
Perfumes novos trarão
e no peito novos amores!






Ianê Mello

O MEU DOCE CANTAR






Canto cantigas de ninar
para adormecer pássaros
colibris furta-cores
bem-te-vis e andorinhas
canto para celebrar a vida
o intenso brilho do sol
a imensidão do céu azul
canto meu canto solo
numa voz suave e terna
canto para a espera
de um novo amanhecer
canto para encantar
o meu doce bem querer
canto pra espantar a dor
canto para alegrar
canto para seduzir o amor
com encanto no olhar
canto para soltar a voz
o grito preso na garganta
canto para a esperança
canto para me libertar






Ianê Mello 

sábado, 25 de junho de 2011

A ÁGUA QUE PURIFICA





















A água límpida que a tudo purifica
Deixai que ela escorra de seus belos olhos
que a tudo enxergam com paixão
Deixai lavar seu corpo, tornando-o puro
Lavai sua alma inquieta
Que as dores vividas e por viver nesse mundo 
no qual não nos enquadramos
possam lhe vir mais suaves,
menos amargas,
pois a maturidade nos ensina
e as torma mais leves e suportáveis

E se em algum momento 
sentir um sorriso a brotar de seus lábios
Agradeça a felicidade de poder  sorrir.


Ianê Mello

O EQUILIBRISTA






Equilibro na corda bamba 
como um exímio trapezista
Sei que não há nada 
para amparar minha queda 
Mas me mantenho firme


Bambeio, faço que vou cair
mas meu corpo se reequilibra
numa dança perigosa
corpo pra lá e pra cá


O público circense
observa estupefacto e apreensivo
Meus inimigos torcem pela minha queda
Mas me equilibro


pensamento distraído
olho para baixo e vejo o chão
 sinto medo
e numa leve escapulida
numa corda de emoções
corpo ao léu
 
...


a queda é certeira


Ianê Mello

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Livre Arbítrio ou Destino







Poderia ser o que quisesse
ou parte de meu destino
já estava traçado?
Quem sabe "escrito nas estrelas" ...
Até que ponto vai meu livre arbítrio?
Minha vida é o que dela faço
ou não depende das linhas que traço,
dos caminhos que percorro,
das atitudes que tomo ou deixo de tomar?
A vida é uma incógnita...
Surpreendente e por vezes incompreensível


Qual o meu lugar nesse mundo,
O que aqui faço e para que aqui estou?
Se aqui não estivesse  a terra continuaria  a girar
As flores a brotar, o sangue a ser derramado
Os corações a amar e a embrutecer
Qual o meu papel, minha função no caos 
que por vezes se instala?
Cruzar os braços e ver desmoronar
sei que não consigo

Quero e necessito de Paz
Mas que poder tenho de mudar o " status quo"?

Que poder eu tenho???

Quantas andorinhas me acompanhariam nesse vôo?


Ianê Mello

FELICIDADE PLENA






brisa suave
paisagem bucólica
as copas das árvores
em sincrônico balançar
entoar de cantos
de coloridos pássaros
em bela sinfonia
grama fresca e úmida
onde o corpo descansa
o sol do céu a nutrir a terra
com sua raios de fulgor
vida simples, natural
sem tempo, nem hora
sem tique-tique do relógio
o singelo prazer de ser
a alegria de estar no mundo
onde somos todos iguais
feitos da mesma matéria
nós e a natureza que nos acolhe 
em seus braços maternais
pois que dela somos filhos
filhos criados no amor






Ianê Mello






Crédito da iamgem: Pintura de Francine Van Hove



Cativa



num emaranhado de teias
a aranha tece
em frágeis fios
sua própria prisão
ardilosa em seu intento
sua vítima agoniza
mas que vale tal morada
se nela própria  reside
para sempre aprisionada.




Ianê Mello

quinta-feira, 23 de junho de 2011

INCOMUNICABILIDADE

Pintura de Iman Maleki


fresta aberta
no escuro recinto
onde luz amarelada
se faz notar
todo o mais é breu
nada se vê
nem se ouve
nesse templo de ninguém
nenhuma voz
nenhum rumor
nenhum ruído
parece reinar a paz
mas paz não há
o que há é ausência
supressão de emoção
isolamento mútuo
há pessoas na casa
sim, há pessoas lá
cada qual perdida em si
em seu egoísmo
em seus interesses
em suas próprias dores
uma família poderia ser
mas a palavra engasgada
o grito sufocado
a palavra não dita
aquela que se perdeu
na boca entreaberta
palavra que talvez
nunca mais, nunca
seja pronunciada.



Ianê Mello

terça-feira, 21 de junho de 2011

A PROCURA DE SI

Pintura de Ans Markus



Era apenas uma mulher. Não que o sexo fizesse diferença nesse momento. Era, na verdade uma alma aflita. E aflições podem acometer  qualquer ser, independente do sexo. Mas o fato que lhe ocorreu em particular, certamente que não. Só uma mulher o sofreria. 
Ela vagava perdida. Em sua vida não encontrava um sentido, uma razão para estar no mundo. Uns a chamavam de louca, outros a ignoravam, poucos a compreendiam. Não, decididamente ela não era um ser comum. Desses que nasce e encontra seu lugar nesse mundo de meu deus. Ela era diferente, desde que nasceu, pode-se acreditar. 
Foi concebida num ato de violência extrema, quando sua mãe era apenas uma menina de 13 anos de idade e ainda brincava com bonecas. Certamente não foi um ato de amor, mas brutal e de extrema crueldade. Mesmo assim, deu-se prosseguimento a gravidez, com todas as dificuldades que uma menina poderia ter ao carregar em seu ventre imaturo um filho. Essa decisão foi tomada pelos seus pais, que eram evangélicos e não admitiam a possibilidade de um aborto. 
Aquela menina franzina e imatura, de apenas treze anos passou a carregar o fardo, o peso de um ser que dentro dela crescia e  se desenvolvia a olhos vistos. Sentia-se um ser estranho, fora do contexto. Enquanto as outras meninas brincavam com suas bonecas, corriam e saltavam, viviam sua meninice, ela sentia dentro de si aquela sementinha que germinava. Na rua, na escola, as pessoas faziam questão de olhar aquele ventre intumescido, sem qualquer disfarce ou piedade, o que a deixava constrangida. Esse olhar era, geralmente,  um olhar de crítica, como se um crime fora cometido e a culpada fosse a pobre menina. Sem duvida um crime fora cometido, mas que culpa tivera ela?
Os meses se passaram, entre azias, vômitos e enjôos matutinos. Seu ventre crescia, crescia, que parecia que a qualquer momento poderia explodir, pensava ela. Tinha dificuldade para sentar, se acomodar na cama para dormir e até para se levantar. Foram meses de tormento. Ao findar os sete meses, o martírio para ela acabou. A criança nasceu prematura. 
Ela não esperava que as dores do parto pudessem ser ainda maiores  do que imaginava e ouvira falar. 
Enfim, veio ao mundo um novo ser, que não se pode dizer que tenha sido propriamente desejado, devido as circunstâncias. Nasceu uma menina. Aquela coisinha miudinha e frágil, que poderia ser comparada à uma de suas bonecas, mas que não era, nem de longe. Mexia perninhas e braços. Chorava, sem que ela soubesse o porquê. A pobre menina não imaginava que talvez o momento mais difícil estivesse ainda por vir. Vez que nascida, a criança necessitaria de cuidados aos quais ela não estava preparada a dar. Mas ser mãe é um eterno aprendizado...
Assim foram  se passando os dias, com sua mãe a ajudar-lhe nos cuidados com o bebê. Mas a menina via o mundo lá fora. Ela queria trepar nas árvores, ela queria brincar de escorrega, ela queria ser criança e isso lhe foi tomado. Ela era mãe.
E a criança foi crescendo, como é de se esperar em qualquer criança. Os cuidados higiênicos, alimentares, seguiram um padrão de normalidade. Esse não era o problema. A dificuldade era outra.  Ela não conseguia nutrir por essa criança, sua filha, o afeto que seria esperado. Sentia-se distante e apenas cumpria suas obrigações, que envolvia os cuidados necessários para que a menina crescesse com saúde. 
Como amar aquela criança que não fora concebida num ato de amor? Como amar aquele ser que não desejara? Como amar a filha que havia entrado em sua vida num momento em que não estava preparada para tê-la?
Ela era o que se podia chamar de mãe técnica, que provia a criança em suas necessidades básicas: banho, trocar fraldas, alimentar, levar ao médico para as visitas periódicas, medicar nas doenças. Só que sabemos que ser mãe é bem mais que isso. Ser mãe é se doar, é tocar seu filho, acarinhar, fazê-lo sentir-se amado.
Isso, para ela era impossível. Não conseguia desenvolver esse sentimento e se mantinha sempre a distância.
A menina crescia só, aos trancos e barrancos. Muito só. Aprendeu a se isolar como defesa. Criou um mundo só seu, onde não precisava de ninguém, onde ninguém poderia machucá-la, mas também onde ninguém poderia amá-la. Tinha nos livros sua companhia. Ela era a princesa, a fada, a bruxa, a rainha, qualquer personagem que quisesse ser. Ela podia ser tudo nos contos de fada que lia. Só que nesse tudo que podia ser no mundo do ilusório, seu mundo real se perdeu. Sua própria identidade, seu amor próprio, sua reais desejos. 

- Quem sou eu? - ela se perguntava, aflita.

Longo seria o caminho da descoberta de seu verdadeiro eu. Longo e árduo. Será que ela teria condições de percorrê-lo?





Ianê Mello

segunda-feira, 20 de junho de 2011

"SAKOUNTALA "






À Camille Claudell 


Camille, Camille, és mulher...


Acorda do teu sono tão profundo.
Para além dos olhos do amado
existe um vasto mundo
a ser por ti desvendado.

Levanta-te, mulher, 
abras teus olhos e vejas
e tudo o que desejas
poderá estar à teus pés!


Esqueças o amor petrificado,
em mármore frio eternizado
e vivas em ti o amor encarnado
na figura de um homem real.


De carne e osso, humanizado.
Amor , sem artifícios, natural.

Ianê Mello

domingo, 19 de junho de 2011

PARA ONDE VAMOS?

Pintura de Guennadi Ulibin


Ela era uma mulher que beirava os cinquenta anos. Seu rosto já perdera o viço da juventude e em seus olhos o brilho da inocência já se apagara.  Apesar disso, julgavam-na uma mulher bonita. Era vistosa, elegante, esbelta e tinha um quê de aristocrático em seu semblante de finos traços. Isso se devia a sua descendência européia. Inteligente e culta, versava sobre qualquer assunto em pauta. Não era fútil como outra tantas de seu círculo social. Suas preocupações eram mais profundas e humanitárias. Isso a destacava desse grupo de mulheres, em que só se falava de moda, estilistas e festas para granfinos.
Sim, ela era diferente. Uma mulher dentre poucas, que se preocupava com causas sociais, com a educação do povo, com a má distribuição de renda. Não conseguia olhar com indiferença para os menos favorecidos, para os mendigos e para os pedintes de rua. 
Muito raramente participava dessas festas sociais da elite, pois detestava os sorrisos falsos, as palavras fúteis, a ostentação das vestes, os banquetes suntuosos. Tudo lhe soava falso e sem sentido, desprovido de qualquer valor. 
Era casada e bem casada, financeiramente falando, com um jovem de posses, por quem um dia, inusitadamente se apaixonou. Não demorou muito tempo para que as diferenças se fizessem claras entre eles. Eram como água e azeite. Jamais poderiam se misturar. Passaram a viver, então, uma vida de aparências. Como tantos outros casais. Ela se ressentia disso mais do que ele, na verdade, pois era muito sensível aos afetos. A fragilidade dos sentimentos e da própria vida a fazia desejar a eternidade das coisas, só que nada é eterno, nem mesmo nós o somos e disso agora ela tinha certeza.
E assim, se passavam os dias, sem maiores expectativas, nem sobressaltos. Apenas aquela mesmice de um dia após o outro, numa infindável rotina.
Ele com suas obrigações se ausentava de casa o mais que podia. Ela, ficava a maior parte do tempo em casa lendo seus livros, escrevendo e ouvindo música. Quando se cansava da clausura, saía para visitar parques, museus, exposições, teatro e cinema. Era chegada as artes, bem como necessitava de lugares ao ar livre para repor suas energias. Seu contato com a natureza lhe era revigorante. 
Como seu marido não partilhava desses gostos, por vezes ia só, outras acompanhada de alguma amiga.
Mas claro que ela sempre se perguntava, reflexiva que sempre fora, porque se mantinha nessa vida, nesse casamento de aparências, em que na verdade cada um vivia sua vida em separado. Qual o sentido disso tudo? 
Às vezes pensava em jogar tudo para o alto, ainda se sentia jovem o suficiente pra recomeçar sua vida, mas estranhamente algo a impedia de seguir adiante e soltar as amarras que a prendiam àquele barco naufragado. O medo do desconhecido talvez fosse o que  a impedisse. Trocar o certo, embora não satisfatório, pelo duvidoso. Próprio do humano, não? O processo de acomodação em que nos envolvemos a cada dia. 
Essa mulher de que falo pode se chamar Maria, Silvia, Rita, Marcia... essa mulher somos todas nós, nos momentos em nos vemos diante de um impasse. Nos momentos em que nos sentimos insatisfeitas com a vida que levamos, mas não sabemos bem o que fazer para mudá-la. 
Essa mulher sou eu, é você, somos nós...
Então, para onde vamos? 




Ianê Mello

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Religare




a um suave sopro
uma brisa da manhã
natureza humana
na paz da harmonia
a boa semente
que seu fruto gera
em terra fértil
e cresce frondosa árvore
seu hálito  puro
sabor de hortelã
sua pele de alfazema
sua boca rosa-carmin
de que se desprendem estrelas
em palavras iluminadas
em vôos de pássaros
que se elevam ao céu
alma em corpo reencarnada
sublimada no amor
transcende a carne
e dela se reveste
para tornar-se igual a nós

....



Ianê Mello

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Espirais do Tempo




espiraladas formas
verticais
em cores refletidas
arcoirizando o horizonte
subindo... subindo...
limites a transpor
além do imaginário
inconscientes desejos
lampejos de paixão
o céu colorindo-se
matizes furta-cor
natureza em profusão


....


até tingir-se de negro


....


anoitece




Ianê Mello

ALMA LIBERTA

CRESCENTE

À Fernando Pessoa


  




O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

Fernando Pessoa



Na  mente explodem versos
que não saem no papel
Sentimentos tão adversos
difíceis de esconder sob o véu

E nessa luta constante
Entre mente e verbo
De repente, num instante
Surge o poema inconstante

E tem que haver rapidez
para registrá-lo de imediato
Pois seria uma estupidez
perder esta inspiração de fato

E o poeta assim segue
Às vezes a escrever o sentir
Noutras a mentira o persegue
E não há como fugir

Já dizia o grande Pessoa
que o poeta é um fingidor
Pois não é sempre que escoa 
a palavra que expressa a dor

O poeta escreve seus versos
e nem sempre neles se espelha
Por motivos controversos
à eles, por vezes, se assemelha 

Ianê Mello