quarta-feira, 31 de agosto de 2011

SEM PALAVRAS



O que a boca cala
a alma expressa
no silêncio das palavras
transparece o sentir
intenso e pulsante
a palavra é um meio
não um fim
nem a tudo a palavra contenta
por isso me calo
leia nas entrelinhas minha alma
ela clama, ela chama
se debate em sentires
mudos, introspectivos
em mim ela se desvela




Ianê Mello 

IMPERMANÊNCIA





Pessoas
que vem
e que vão
em minha vida
deixam algo
antes da partida
ao menos a lembrança
de sua fugaz presença
de sua não permanência
nem sempre compreendida
mas já esperada pelo hábito
meu coração se acostumou
as perdas tantas já sofridas
hoje, grande amiga
amanhã, desconhecida...
assim caminho por entre espinhos
com pés descalços, já precavida
colho as rosas com prazer
sinto-lhes o perfume
a maciez de suas pétalas
os espinhos deixo para o final...
não há como evitar o sangue nas mãos.


Ianê Mello


Crédito de imagem: Pintura de Vladimir Kush

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

POEMA VIRTUAL






Digitalizando versos
dedos no teclado
olhos no visor
e nas palavras
 a alma que se desnuda
por detrás do virtual
ainda habita um ser humano
que sente, que sofre, que grita
seus poemas se espalham
como folhas ao sabor do vento
compartilhando seus sentimentos
que antes só ficavam no papel
agora percorrem o mundo
traduzidos em diversas línguas
e intensamente sentidos
pois a emoção é universal


Ianê Mello

CORA MENINA




Para Cora Coralina


Cora, Cora, Coralina
por dentro sempre menina
em seu sorriso a  candura
em seus atos a bravura
da interiorana mulher

Com suas mãos preparava
os docinhos mais gostosos
e com as mesmas compunha
os versos mais primorosos

Mexendo o doce no tacho
escrevendo em seu caderno
sua grande sabedoria
na simplicidade se revelava
na mulher de doces olhos
que a todos encantava.


Ianê Mello

domingo, 28 de agosto de 2011

RABO DE SAIA





Ô minha gente muita calma
que eu sô homi di bem
num vim aqui pra brigá
mas só pra ajudá
o meu cumpadi Firmino
qui deu di si ingraçá
com a moça Maricota
moça bunita e prendada
mas inda uma minina
qui só trabaio vai dá
ele arrastando asa
já qué logo si amarrá
num podi ver rabo de saia
de mocinha jeitosinha
vamo divagá com andô
que sinão num vai prestá
e meu cumpadi vai na certa
arrumá sarna pra si coçá.


Ianê Mello

O LOBO DA ESTEPE





Para Herman Hessse


Não faça barulhos surdos
ele dorme o sono dos covardes
não poderá lhe ouvir
enquanto  o vento sibila
acalentado nos sonhos
ele aquieta o lobo
que uiva dentro de si
fechados os olhos
animal contido
o pelo já acizentado
por anos vividos
o faro já enfraquecido
para odores mais suaves
os dentes não tão afiados
acostumado ao cativeiro
lá o lobo se esconde
pernas enfraquecidas
 para  as estepes íngremes
permanece solitário
num mundo que não é o seu
e quando a lua alta  no céu brilha
escuta-se, como um lamento, 
o seu profundo uivo de dor.


Ianê Mello




* Inspirado no livro o Lobo da Estepe de Herman Hesse.

sábado, 27 de agosto de 2011

PRISÃO CONSENTIDA





O homem
preso a seus medos
comandado pelos seus instintos
como Cristo crucificado
entregue  a própria sorte
fraco homen, sem vontade
não usa seu poder para intervir
desconhece seu livre arbítrio
marionete do destino
torna-se em sua omissão
pássaro de grandes asas
pena não saber voar
a liberdade perdida
na prisão que se esconde
tem medo do mundo
tem medo da vida
dentro de si
a chave que o liberta
debilmente enferruja
tolo homem
perdeu-se em si mesmo.




Ianê Mello



Crédito de iamgem: Pintura de Michael Maier

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

LIBERDADE RECONQUISTADA




Das grades libertos
mantem-se cativos
não ousam voar
toque suas notas mágicas
nas cordas do violino
oh, sábia mulher
mostra-lhes o poder
que dentro deles está
o poder de ser livre
o mundo descortinar
além das grades
sem limites
por detrás dos montes
além da turva visão
por detrás das nuvens
no infinito céu de anil
a vastidão do mundo
para voar foram de asas dotados
é  sua natureza
é preciso reaprender
o que já tem por instinto
e viver em plenitude.




Ianê Mello






quinta-feira, 25 de agosto de 2011

CORPO INERTE





Na carne penetra
a  fina lâmina
corte profundo
o sangue jorra
na calçada
uma poça
se forma
o corpo cambaleia
para quedar-se
inerte ao chão
tão rápido
como um suspiro
num sopro
a vida se esvai
em breves instantes


Ianê Mello


Crédito de iamgem: Foto My Bohemian Spirit

ÁRDUO CAMINHAR



A mala pronta
o corpo desnudo
pés no chão
sem rumo, sem porto
menina-mulher
seios a despontar
corpo indefinido
medo nos olhos
vacilantes passos
difícil caminho
a ser trilhado
armadilhas espalhadas
por todo o chão
dificultam o caminhar
marcas de vermelho sangue
de feridas de outrora
seus olhos observam
estática e muda
assim permanece
menina-mulher
desconhece o caminho
mas sente em si
a semente da coragem
que a impulsiona
em sua busca
raízes arrancadas
pela dor extirpadas
só está consigo...


...desejos de voar






Ianê Mello






Crédito de imagem: Pintura de Katerina Belkina

EU E OS OUTROS EUS





Há um outro que em mim se mostra
quando a noite cai mansa
Ele se debruça no computador e escreve
como quem não tem controle
as palavras fluem ao toque do teclado
minhas mãos são mero instrumento
que o servem sem questionar
e meus olhos são guias no branco da tela
vendo-a preencher-se em versos
Esse outro me surge de repente
a hora que ele deseja, sem pedir consentimento
me usa e abusa do meu corpo já cansado
me tira da cama já tarde da noite
e leva meu sono com falsos ardis
Que posso fazer se ele também sou eu
um outro eu dentre tantos outros eus
que me acompanham pela vida afora?
Pela manhã o outro eu reclama
pela noite mal dormida
não quer levantar da cama
e nela fica a rolar até novamente dormir
Quando o outro eu acorda
lamenta ter dormido tanto
já se foi toda a manhã perdida
Levanta cambaleante
os olhos semicerrados
enquanto o eu que dormia
não quer mantê-lo acordado
E entre eles se trava uma luta sem igual
enquanto meu corpo espera
para ver quem vence esse round.



Ianê Mello


Crédito de imagem: Pintura de Katerina Belkina

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

FAZEDOR DE SONHOS




Para Jorge Luis Borges




Ao som de um tango
a Argentina celebra
Jorge, o menino,
nasceu para brilhar
Palavras brotaram
de suas mãos de criança
para nunca mais abandoná-lo
Fábulas e símbolos
expressões de sentimentos seus
como um olhar-se através do espelho
vendo seu próprio rosto refletido
Fazedor de sonhos
com a emoção escrevia
procurando levar aos leitores
um pouco de alegria
Idealista apaixonado
pelos livros encantado
Em seus sonhos o paraíso
uma biblioteca seria
Para seu desencanto
cometeu em vida
seu maior pecado: 

não foi feliz
Descanse em paz, Borges,
em seu paraíso tão sonhado
deixando em nós a saudade

em seu imenso legado.


Ianê Mello


terça-feira, 23 de agosto de 2011

MALUCO BELEZA



Para Raulzito


Esse baiano arretado
desde menino inquieto
matava a aula na escola
viajando na loja de discos
ouvia Fats Domino, Chuck Berry
mas tinha em Elvis seu ídolo
grande e excêntrico maluco beleza
sábio na sua "loucura" sã
não procurava respostas
perdido olhando pro espaço
em seu Plunct, plact ,zoom
fazia a vida acontecer
"pare o mundo 
que eu quero descer"
era que nem borboleta
preferia ao casulo, o vôo livre
uma metamorfose ambulante
cavaleiro errante na vida
nascido a dez mil anos atrás
a mosca na sua sopa
o prego no seu sapato
o soco no seu estômago
queria revirar sua cabeça oca
com suas  novas idéias
e viva a sociedade alternativa
"faça o que tu queres,
pois é tudo da lei"
o amor livre, sem ciúme 
pois o grande segredo da vida
aprendeu com as pedras
nascemos e permanecemos sós
então, nunca desista da vida
tenha fé e sempre tente outra vez.


Ianê Mello











segunda-feira, 22 de agosto de 2011

RISO PINTADO






Lá vem o palhaço
com seu  nariz vermelho
sua boca pintada num sorriso
Ele pula, brinca, ri
alegrando todos ao seu redor
a platéia aplaude  pedindo bis
Mas acabou o tempo
o show já terminou
Desce a cortina do palco
e o palhaço já cansado
de brincar de ser feliz
pega  água e sabão
lava seu rosto pintado
e pelo canto dos  olhos
desce uma teimosa lágrima
e o palhaço agora só
sorri de sua dor.




Ianê Mello

sábado, 20 de agosto de 2011

O HOMEM E O MITO (Homenagem a Miles Davis)





 


Miles, o homem por trás do mito
polêmico e inovador
vítima da discriminação racial
No boxe buscava sua luta
em fortes golpes contra sua dor
No trompete seu grito fazia ecoar
mostrando ao mundo todo
-posso vencer apesar de ser negro.
Em suas notas potentes e sensíveis
numa catarse de emoções
sua alma era exposta sem limites
numa química perfeita
o homem e o mito
em uníssono
equilibravam suas vozes.
Deixe ecoar por esse recinto
suas notas claras e precisas
penetrando em meus poros
aguçando meus sentidos
Sopra seu solo em minha solidão
num longo falsete
me transpondo a outras esferas
em matizes de azul e verde
Sob a lua me inebria
com seu cool jazz.


 Ianê Mello, in Sábado Poético.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

ORAÇÃO AOS DEUSES





Afrodite, venha com seu encanto
ensinar-nos o amor dos deuses
nesta festa dionisíaca
em que os sentidos aguçados
em cálices de vinho
ofertam doces delírios.


Apolo com seu brilho
ilumine os caminhos obscurecidos
para que não nos percamos
no reino subterrâneo de Hades
sendo de lá prisioneiros.


Zeus, deus supremo, pai criador
proteja-nos com seu poder
das intempéries da natureza
que Deméter nos trará frutos
alimentando nossos corpos.


Grande deusa Atena
dai-nos a sabedoria de vida
Para que não nos deixemos levar
pelos doces sonhos de Hermes
sendo prudentes e justos.


Ó deuses, vós que sois imortais
tende piedade de nós humanos!


Ianê Mello

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

SOMOS SÓIS






Te beijo a boca sôfrega de paixão. Sorvo sua língua de hortelã. Bebo sua saliva até a última gota. Cálice de vinho tinto, doce e suave. Você está em mim como fogo em brasa, que arde e não queima. Seu cheiro a penetrar em minhas narinas, almiscarado. Seus olhos semafóricos me dizem siga e eu me embebo em sua seiva. Seus cabelos de azeviche cheirando a pêssego nos quais pouso minha cabeça e aspiro o perfume.  Na curva entre pescoço e ombro me entrego menina. Corpo contra corpo, côncavo e convexo, encaixados como peças de um quebra-cabeça. Não, não se perca de mim por entre a multidão aflita. Não me deixe perder-me de você. Nossas mãos são elos de uma corrente poderosa. Almas interligadas. Vejo através de seus olhos escuros. Me enxergo. Você me vê em mim. Banalizar o amor é fácil para quem não ama. Tratores passarão para derrubar nossos sonhos. A vida nos desvia dos caminhos certos. Tantas placas, tantas sinalizações, tantos caminhos. E por quantos já passei.  E quantos julguei ter amado. Quantos amores mastiguei com minha boca ávida extraindo deles todo o sumo para depois cuspí-los ao chão como um chiclete que perdeu o sabor. O engano de se ter quem se deseja e a tristeza quando se vê que não se tem ou não se quer mais. Mas você...ah, você! Você é para mim um encaixe perfeito. Me olha e vê em mim o que sou quando estou contigo. Não desvia o olhar. Coragem. É preciso coragem para a entrega. Não, não quero que seja mais um cigarro que fumo até o filtro e depois amasso no isqueiro já lotado. São tantos amores perdidos. Mas como preservar esse sentimento nesse mundo louco, em constante surto. Nesse caos urbano, nessa infinita pobreza, entre corpos pelo chão, lixo, esgotos, poluição, maldade, solidão humana. Mas somos nós, somos nós, sós. Mas somos outros, somos outros quando estamos entre eles, entre todos. Somos nós, a sós, dois sóis. Mas lá fora é escuro, a negra fumaça que esconde os vultos sem direção, sem rumo, os pobres de espírito, os pobres de amor, os pobres...Pobre de quem nunca amou. A inveja do amor que não se teve é veneno. Os olhares sugam esse amor que é nosso, invejosos, desejosos de destruí-lo, de fazê-lo em pedaços como são suas despedaçadas vidas. Rondam pelas ruas, pelos becos e avenidas, zumbis de almas, perdidos nos descaminhos. Sugadores de energia, vampiros. Querem de nós a vida pois não sabem o que fazer, aonde ir, perdidos que estão no mundo dos humanos. Somos tudo e somos nada. Destinos a cumprir sem saber porque. O que nos puxa para baixo e o que nos eleva, nessa alternância, nessa inconstância de altos e baixos sem fim. Quando você se vai, metade de mim vai contigo. Fica só a outra metade a te procurar, tateando no escuro. Nessa escuridão me perco entre pesadelos assombrosos e personagens antigos. Vidas que passaram e bem não me recordo. O que sou, aonde estou? Esse corpo é meu corpo? Falta-me o espelho de seus olhos para que eu me veja. Falta o aconchego de seus braços para que eu me encontre. Faltamos nós. Nós juntos, sós, somos sóis.




Ianê Mello

Crédito de imagem: Pintura de Margarida Cêpeda

PALAVRAÇÃO




Quero a palavra exata
isenta de duplo sentido
que flua com a voz que a emite
que envolva num sentir pleno
de sentido

Quero a palavra precisa
adequada ao sentir que pulsa
emoldurada pela emoção
penetrante e cortante
ecoando persistente

Quero a palavra instrumento
que permita a comunicação
o diálogo entre antagônicos
compreensível e clara
fazendo calar certezas

Quero a palavra inequívoca
que evidencie e elucide
clara aos ignorantes e aos cultos
palavra cognoscível
palavra indelével


Palavra expressão
...
Palavra verbo em ação



Ianê Mello

AMOR SILENCIADO




cada gesto
desconexo
confuso sentir
complexo
sentires difusos
fugidios
os olhos dizem sim
as mãos se afastam
as palavras dizem não
um querer não explícito
silencia todo som
e na alma guardado
o sentimento repousa
talvez qualquer hora
talvez qualquer dia
o medo vencido
seja dita a palavra
sufocada e perdida
no silêncio das horas
e o platônico amor
seja enfim revelado




Ianê Mello



quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A MÃO EM QUESTÃO



essa mão que segura a espada
é a mesma que foge à luta
essa mão que apedreja
é a mesma que afaga o cão
essa mão que invade
é a mesma que se encolhe
essa mão que escreve
é a mesma que repousa
essa mão que segura
é a mesma que solta
essa mão que se estende
é a mesma que cala a boca
essa mão que gesticula
é a mesma que se queda
essa mão que trabalha
é a mesma que assalta


a mão ferida
a mão suada
a mão fechada
a mão marcada


a mão do dono
                          a mão sem dono
                                                      a mão do sim
                                                                              a mão do não


                                                                                                         A MÃO








Ianê Mello

                 

RELIGARE




Hare Krisnha,
 Krisnha, Krisnha
Hare, hare 
Hare Rama
Rama, Rama
Hare, hare


Um mantra de fé
acalma os sentidos
aquieta a alma
traz paz ao coração aflito

Nesse mundo que á Maya,
pura ilusão
buscamos um caminho
uma luz

Voltar-se para dentro
buscar -se em sua essência
encontrar-se consigo mesmo
esse é o caminho

De dentro para fora
é o primeiro passo
...


Ianê Mello

ANIMAL FERIDO




Feito de sombra e pó
em cárcere aprisionado
paredes escritas a sangue
torturado o corpo
na alma desolada
um uivo dentro da noite
atroz e arrepiante
sóbrios pesadelos
no chão de pedras
na cela escura
obscuros desejos
retorcidos na dor
tempo inútil
ignóbil criação
olhos injetados
projetados no medo
voz emudecida
na imposição do silêncio
traços inequívocos
do passado remoto
uma presa viva
um animal ferido
alimento da sordidez
do desumano insano
a ferro e fogo moldado
como gado marcado
um corpo que jaz
inconsciente de si.


Ianê Mello

HORA DO VÔO



Mulher
seu caminho é longo
dentro desse corpo que aprisiona
seus olhos encobertos pelo véu
na verdade não te impedem de enxergar
sua visão ultrapassa o fino tecido
sua sabedoria a faz transpor
os limites  já traçados
 é sua a escolha
liberdade ou prisão
a vida pulsa
clama dentro de você
um grito de socorro
em seus  ouvidos
ecoa ... até quando?
o tempo passa
agora é  a hora
abra suas asas  



Ianê Mello


Crédito de imagem: Pintura de Margarida Cêpeda 

sábado, 13 de agosto de 2011

PODE SER


Pode ser mentira
pode ser verdade
pode ser que não
pode ser que sim
pode ser saudade
pode ser tristeza
pode ser vontade
pode ser simples
pode ser eterno
pode ser belo
pode ser fugaz
pode ser de menos
pode ser de mais
pode ser nada
pode ser tudo

PODE SER...


Crédito de imagem: Pintura de Kandinsky