domingo, 30 de março de 2014

SÓ CORAÇÃO




Cabeça solta
sentimentos em desvario

nas notas do teclado
a bailarina dança
rodopia...

enquanto as mãos tocam
no branco dedilhar
suaves marfins

Ianê Mello
(29.03.14)


* Imagem: Noé Sendas

terça-feira, 18 de março de 2014

ODE AO AMOR




Escrevo para dizer que amo
Amo desavergonhadamente
Amo todos e tão somente
Amo aquele pelo qual reclamo

Amo como amiga e como amante
Amo tão pura e simplesmente
Amo com fervor e sutilmente
Amo de um jeito delirante

E por amar assim tão loucamente
O amor de mim já se avizinha
Em uma ternura toda minha
E a mim se entrega mansamente

Amo o amor que me preenche
O amor que me penetra nas entranhas
Amo assim com tantas artimanhas
um amor travestido e delinquente


Ianê Mello
(17.03.14)

*Pintura de  Christian Schloe


sábado, 15 de março de 2014

A ARANHA EM SEU TEAR




tarda
a aranha
em sua teia

a tecer
memórias
desencantos

tanto
tempo
tantas

tarda
a tecer
a aranha

memórias
desencantos
em sua teia

tanto
tempo
tantas

a aranha
em sua teia
a tecer

em sua teia
a tecer
memórias

tarda
tanto
tempo


Ianê Mello

(16.02.14)




*Pintura de Susan Seddon Boulet "Shaman Spider Woman"

sexta-feira, 14 de março de 2014

COMPOSIÇÃO




Palavras tateiam
no escuro

mãos
em desalinho

o verbo
rasga

o tecido
formas inexatas

textura imprecisa
alinha-se

pulsa a verve
nasce o poema


Ianê Mello

(16.01.13)

*

Pintura de Francine Van Hove

segunda-feira, 10 de março de 2014

VÔO DAS BORBOLETAS


assim me encontro
em novas paragens
sem bagagem
sem roupas
sem utensílios

cabeça a voar
miragens
coração a saltar
do peito

gosto de viajar
assim
sem rumo
nem paradeiro

partir sem saber
para onde
nem tampouco
quando voltar

apenas sair
por aí
sem bússola
nem direção

sem caminho traçado
sem rota premeditada

seguindo apenas
o vôo das borboletas

Ianê Mello
(10.03.14)

*Pintura de Duy Huynh 


domingo, 9 de março de 2014

AINDA EXISTE VIDA


onde se esconde o humano
nesse protótipo forjado
em metais aprisionado
em mecânicas alienado?

em automatizados sentires
em sentimentos enlatados
em medos encarcerados
em rancores cibernéticos?

e coração dentro do peito
assim meio que sem jeito
sentindo-se excluído
bate mais forte ressentido

ainda pulsa vivo e aflito
diz que sangra e que sente
e dentro do peito acusa:

- Ei, aqui ainda tem gente!

Ianê Mello
(9.03.14)






sexta-feira, 7 de março de 2014

DIAS SEMPRE IGUAIS


Saber-me assim é o que resta
sem novos planos, sem anseios
extraindo da vida o que presta
sem perder-me em vagos devaneios

Um dia após o outro sem sobressaltos
natureza acomodada no momento
já cansada de se expor a grandes saltos
poupada de viver nesse tormento

Imaginar-me assim acomodada
há tempos atrás jamais ousaria
supunha estar para sempre fadada
a viver sem sentir tal calmaria

Por vezes ainda me pergunto
se a escolha que fiz foi adequada
mas não me demoro no assunto
fecho os olhos - não penso em mais nada.


Ianê Mello
(08.01.14)

* Pintura de Jane Ansell






CAMINHO SEM VOLTA




Eu tentei
juro que tentei

percorri espaços
amparei abraços
calei sons

transpus limites
venci caprichos
acatei palavras

sussurrei amores
espantei temores
...
em vão

eu tentei
eu juro  que tentei

mas a carne é fraca
o limite é tênue
a paixão vadia

o sentir tão vão
a cama tão fria
a língua tão áspera

mas eu tentei
eu juro

abri mão da solidão
enterrei meus pés no chão
cavei um poço sem fim

mergulhei pra dentro
bem fundo  tão fundo
me perdi em mim

não fuji
não menti
não trai

e agora
o que faço
com esse imenso cansaço?

não sei como voltar
não posso mais ficar

meus passos 
se perderam
no caminho


Ianê Mello
(07.03.14)

* Fotografia de Anka  Zhuravleva






sábado, 1 de março de 2014

CARNAVAL, ÓPIO DO POVO




Fartei-me das palavras
que ninguém quer ouvir
os batuques soam mais alto
que minha fraca voz

Retumbam em minha mente
ecoando insistentemente
ensurdecendo meus sentidos 

calando minha agonia e meus gemidos

Minha voz ficou rouca de tanto gritar
e serpenteando se perdeu no ar 
nada se ouviu do que tentei falar
e o que calei, guardei em meu olhar

Todos os ouvidos estão surdos
ensurdecidos pelos ruídos
das ruas, dos carros, dos cantos
do rufar dos tambores

Para que tanta alegria? 
Para que a festa?
Por que toda essa folia
se essa babel enlouquecida é tudo que resta?

Confete, serpentina, lantejoulas
brilhos ofuscantes, falsos diamantes
mulheres deslumbrantes 
altivas em seus palanques

Sobre(s)saltos sempre muito altos
no corpo o nu que predomina
no rosto  a dor que se disfarça
na máscara que a face oculta

Falsa alegria que contagia
mas não a mim, que agonia!
Não fui sequer convidada
imagina que pesar!

Carnaval ... falsa alegoria... 
alegria em fantasia  disfarçada
Fogo fátuo que queima 
pra tudo se acabar em cinzas


Ianê Mello

*
Pintura de Joan Miró