sexta-feira, 31 de agosto de 2012

ANTOLHOS





Segue a procissão
segue...

cordeiro manso
passo a passo
pro abismo de certezas inúteis
pro abandono de dúvidas latentes

mas, vai...  segue...

tuas patas não ousam o prazer da busca
tuas patas se atrapalham em novos caminhos

teus olhos estão cegos em antolhos

então segue...
segue o bando a sua frente
apenas segue...


para os lados sua vista teme olhar
para a frente, sempre em frente
carneirinho manso...segue...

tua sina é seguir...
sempre atrás.


Ianê Mello
 

*
Pintura de Ans Markus 

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A TRAVESSIA





Delírio...
sangue a fervilhar
nas veias
quente
olhos esbugalhados
pelo medo deformados
pele num arrepio
fria
na boca
o grito mudo
de espanto
o corpo paralisado
enrijecido
congelado
limiar do medo
iminência da morte
previsão
presciência
fugacidade das horas
transitoriedade da vida
a travessia é inevitável.


Ianê Mello


*
Fotografia de ANKA Zhuravleva

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ENQUANTO A CHUVA CAI




Gotas de chuva
a tilintar no cinza asfalto
um convite a nostalgia

Pessoas a transitar nas ruas
surpreendidas
num ritmo cadenciado
abrem guarda-chuvas coloridos

abrigam-se apressadas
enquanto a chuva,
alheia a tudo,
simplesmente cai...

guarda-chuvas
abertos em flor...
pétalas de rosas orvalhadas

E a chuva
alheia a todos
Cai
Cai
Cai...

Cai
Sobre os ombros
cansados dos passantes
e em pequenas gotas se aloja...
serenamente

Cai
sobre os carros
sobre as calçadas
sobre os telhados
sobre as árvores

Cai sobre as cabeças
desprotegidas
de alguns poucos
lavando pensamentos
provocando arrepios no corpo

Neste dia chuvoso
um convite a nostalgia
na chuva que cai
no frio asfalto
da cidade de pedra


Ianê Mello

(15.08.2012)

*
Pintura de Ricardo Massucatto

( Inspirada na canção La Pluie - Zaz)

domingo, 26 de agosto de 2012

PÁSSARO NEGRO




Solidão que invade
cálice de vinho
Companheiro mudo
Pássaro das horas
Negro pássaro

Chama de vida
Queima
Arde

Rugas do tempo
Riso das horas...
Pálidas
Cativas

Peso das noites
Em ombros caídos

Flácido corpo
Cegos os olhos...

Pássaro Negro
em pouso febril
prisioneiro e algoz
pacientemente espera...



Ianê Mello

*
Pintura de Viktor Sheleg


sábado, 25 de agosto de 2012

MENINA PÁSSARO





Menina pássaro sou
vôos cada vez mais altos
eu alço
com asas de sonhar

teço minha vida
na vastidão do ser

Vôa, menina pássaro
voa...
em seu voar
brilhos azuis
sóis resplandecentes
enluaradas noites

O desejo que suplanta
o tempo
que inebria o sentir

Vôa menina pássaro
mesmo que não sejas mais menina
a menina dentro ainda brilha

Vôa... ao infinito
sempre além do horizonte


Ianê Mello
(08.08.2012)

*
Fotografia de Julie de Waroquier

domingo, 12 de agosto de 2012

FRESTAS DA ALMA (I)



OLHAR CATIVO


Por entre a fresta
olhar a espreita
lágrima que escorre mansa
doces olhos
espelhados na dor
dor do ser

prisioneiro o corpo
alma cativa
clama pelo instante
de estar viva
liberta de sua própria prisão

quanta melancolia nesses olhos!

até quando esperar?

imbuída de coragem
simplesmente abrir a porta...

sair para o mundo...


Ianê Mello



*
Pintura de Nicoletta Tomas Caravia

sábado, 11 de agosto de 2012

PONTO DE VISTA



Perder pode ser achar
perdendo se busca algo
algo pode-se encontrar

na perda que traz a dor
se domina o querer
olha-se para dentro

e dentro se vê
aquele algo oculto
a espera de pulsar

perder nem sempre é azar
estimula a vontade
do novo se buscar

abra sua mente
siga em frente
deixe os restos para trás

as perdas estão perdidas
não  vale lamentar
a vida segue sempre

abra os olhos
a sua frente
tem muito o que ganhar


Ianê Mello  

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O FIM




Sombras que me assolam
em noites sem lua
sentimentos ermos
escuridão de presságios
onde estará o fim?

Meus olhos se perdem
ofuscados pela noite
em sombras nas paredes
onde estará o fim?

Nesta lágrima que escorre
neste sangue que se esvai
nestas mãos nuas e frias
onde estará o fim?

Na escuridão que em mim habita
na solidão vazia
na terra que me consome
algo oculto neste peito indolente
nessa dúvida atrós
quem sou, para onde vou após o fim?



Ianê Mello


*
Pintura de Arthur Braginsky

terça-feira, 7 de agosto de 2012

ENTOANDO SENTIRES




“A cor é o teclado, os olhos são os martelos e a alma é o piano, com as suas inúmeras cordas. O artista é a mão que toca o piano, emitindo esta ou aquela nota para provocar vibrações na alma.”



Do rock ao blues
do blues ao jazz
passeio entre sons e tons

teço manhãs
em violinos e harpejos

incendeio entardeceres
em dissonantes solos de guitarra

amo entre lençóis
enquanto canta Billie

anoiteço em Miles e Miles
viajando nas estrelas
“Kind of blue”

Explode coração
no peito do desafinado
sangra a pele
não dá mais prá segurar
gonzagueio em sentires

Olha lá o Nego
Itamar...
a cada Milágrimas
o milagre da vida

A música do mundo
que toca
fora
a música do viver
que bate
dentro

E a pergunta que não quer mais calar:
- E a vida o que é meu irmão?
E o coração que não se cansa
 e vive na esperança...

Tum-tum, bate coração
e a resposta na pureza da criança:
- É bonita, é bonita e é bonita!!!!!


Ianê Mello


*
Pintura de Kandinsky



Texto de autoria desconhecida, retirado do site :http://joanaemarta.no.sapo.pt/telas_kandinsky_set.htm




AMOR PRÓPRIO




A madrugada desce lenta
uma fina neblina a pairar
no olhar que se enternece
no aconchego do estar só

Enrodilhada em mim mesma
preencho o espaço que é meu
inteira em mim assim estou
e no momento é o que me basta

Estou só mas a solidão não me habita
gosto de estar comigo em plenitude
a companhia de que preciso
em mim mesma hoje encontro

Sou feliz pois encontrei o amor
o amor que tanto busquei
o amor maior que se pode desejar
o amor por mim mesma


Ianê Mello

*

Foto de Beto Palaio


ESTILHAÇOS




Permaneço
na vida que passa
entre risos e lágrimas
e eu
argamassa
nesse eterno construir

água, cal e areia
em fragmentos de mim
reconstruo sentires
ergo colunas
sustento-me de pé

assim é
esse estar no mundo
ora poço sem fundo
ora o infinito
ora o tudo
ora o nada.



Ianê Mello



segunda-feira, 6 de agosto de 2012

SOB O LENÇOL



O lençol que teu corpo cobre
em pureza se revela
em branca alvura
da carne por ele revestida

...

em algodoados sentires
teu corpo repousa plácido
na memória adormecida
em noites de amor mal dormidas


Ianê Mello


sábado, 4 de agosto de 2012

SOLIDÃO COMPARTILHADA





Solidões que se tocam
numa noite e nada mais
em carinhos trocados
palavras sussurradas
num quarto de hotel

silêncio que se faz
em solidões unidas
num breve instante
fugaz e desejado
depois esquecido
num canto qualquer
 na vida que segue
nada mais...

não há amor
talvez um quê de ternura
envolto num bem-querer

calor de corpos unidos
prazeres efêmeros
momentos que acalentam
aquecem solitárias almas

uma noite apenas
estranhos que se dão
nessa natureza pueril
do permitir-se a entrega

quando o dia amanhece
da boca o gosto dos beijos
já nem se lembra mais

levantam-se solitários
e despedem-se, com um sorriso sem graça
sem promessas de um novo encontro
nada mais...


Ianê Mello


*

Pintura de Viktor Sheleg

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

AUSÊNCIA INSANA




Ele me chama de louca
em minhas vestes rasgadas
em meu esgar de sorriso
enquanto a noite estremece

Ele me chama de louca
no despudor dos sentidos
nesse intervalo no nada
em que grito silenciosamente

Ele me chama de louca
em minha vida de linhas tortas
em meu olhar distante e morno
quando o dia finda em saudades

Ele me chama de louca
quando  em meu grito surdo
emudeço o sentir que cala
no resvalar da dor que escorre

Ele me chama de louca
e louca sou quando deito
entre lençóis de ausências
e me esparramo em gozos

Ele me chama de louca
quando meu corpo em súplica
entre travesseiros ... arfante
explode em êxtase
...
e, por fim,  adormece.



Ianê Mello



* Pintura de Felix Mas


AMOR ANTIGO





Oh plácida beleza que em ti se esconde
onde meus olhos se perdem no infinito
Dona do meu destino, luz e cor
a ti rendo-me e a teus encantos sucumbo
Oh mulher de quietude plena
pousa em meu coração serenamente
e adormece em meus braços  que te esperam
vem sem mais demora eu te peço

O mundo em minhas mãos eu terei
pleno em teu amor e puro encanto
Sonhos dos meus anos de espera
a ti entrego meu casto amor

Recebe com a ternura que é tua
tal sentir que minha alma inunda
e deixa-me perder-me em ti, amada
preso por vontade e eternamente.


Ianê Mello


*
Pintura de  John Hennessy “The Pride of Dijon”, 1879.

ACORDA E VEM PRA FORA... O MUNDO TE ESPERA




Ah... para com essa cara amarrada
cheia de nós e senões
desata os nós
lava o rosto em claras águas


Respira o ar que te envolve
abre teus olhos e vê a vida
ao redor..
clamando, chamando por ti :
- VEM!!!!!

Fita o sol com seu brilho dourado
deixa-se ofuscar por seus raios de luz
Clarifica tua mente e brilha...
Estás viva!!!!!!

Abre teus braços
agarra o sol com tuas mãos de fada

Abre tuas asas, criatura...
e voa, voa, voa....

És pássaro em manhã ensolarada
és luz ao entardecer
és estrela quando a noite cai

Simplesmente és...

Todos nascemos para brilhar!

BRILHE!!!!!!!
ACONTEÇA!!!!
VIVA!!!!


Ianê Mello

* Pintura de Gustav Klint


APENAS SEGUINDO




Os dia transcorrem...
tempestades e bonanças
caos e luz

...

Assim eu sigo

entre pedras e planícies 
entre flores e espinhos

um sol tímido
que se aventura
em nuvens se esconde
mas lá está
inegável existência
em seu calor que aquece
por um átimo de segundo

Estou viva, sim, viva...

em cada arrepio, em cada lágrima,
em cada sorriso, em cada dor
...
em meus olhos que fitam
o horizonte azul
céus e nuvens
de algodoadas formas

tantos os caminhos a percorrer
tantos atalhos
tantas bifurcações
tantas estradas

simplesmente paro...
em mim busco o norte

sou apenas isso
tudo e nada
forte e frágil
serena e inquieta
vulcão e calmaria

sou apenas isso
uma mulher
que ainda sonha

uma mulher
que ainda
se permite
simplesmente 

SER


Ianê Mello


* Foto tirada por Yasmin de Ianê Mello