sexta-feira, 30 de novembro de 2012

REFLEXÕES SOBRE O HUMANO





O quanto de humano ainda carregamos em nós?

A palavra emudecida, o sorriso congelado, o olhar de desamor?

O grito preso na garganta, o dedo em riste, a ausência de ternura?

Músculos e ossos, sangue e vísceras: corpo humano.

Será que é tudo o que nos resta de humano?

Somente um corpo?

E a nossa alma?

Um corpo sem alma é apenas um corpo que não tem consciência de sua humanidade.


Ianê Mello


*
Pintura de Charles Munch

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

DE PEDRA E PÓ




Buzinas, carros
sinais vermelhos

lixo, asfalto
solidão humana

calçadas, pessoas
tempo fugidio

fome, desespero
corpos adormecidos

barulhos, rostos
caos urbano

choro, grito
criança abandonada

olhares, passos
indiferença desumana
 
...

lágrimas congeladas
nudez desprotegida
desamparo mudo
nessa cidade sitiada


Ianê Mello

(27.11.12)


*
Pintura de José Mário Santos 


terça-feira, 27 de novembro de 2012

EM ABANDONO




Casa vazia
poeira e
mágoa

retrato amarelecido
tempo
dormente

recônditos
escondidos
mofo e traças

nas teias
no teto
aranhas tecem
tramas


Ianê Mello


(26.11.12)

*

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

ALMA LIBERTA




Alma
onde te escondes
em que corpo habitas?

o sangue que lateja
a veia que pulsa
o pulsar vital

onde estás
alma?

se desse corpo inerte
escapaste ilesa
desprendida e solta
vez que não és presa
vagueias  volátil
alma etérea
estás liberta


Ianê Mello

(25.11.12)

*
Pintura de Viktor Sheleg

Alma- Zélia Duncan






domingo, 25 de novembro de 2012

EU PRECISO NAVEGAR





tudo cabe na palma da mão
o sonhar sem limites
arriscar-se em visões
navegar noutros mares
caminhar novas trilhas
o futuro nas mãos
o espaço para o sonho

descortina-se a vida
na retina dos olhos 
luz que se acende
ilumina o caminho
passo a passo adiante
limites não há
para quem sabe sonhar


Ianê Mello



(25.11.12)

*
Pintura de Nicola Slattery



quarta-feira, 21 de novembro de 2012

ACALANTO




A noite envolve o dia
cobrindo-o com seu manto
o pensamento vagueia
palavras  se buscam
na adormecida inspiração
nem mesmo as estrelas
nem a cintilante lua
fazem acordar os versos
embalados pelo sono
em plácido acalanto



Ianê Mello 

(19.11.12)


*
Pintura de Marc Chagal

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O CORVO




Pássaro preto
angústia 
em meu peito
encarcerada
coração petrificado


Agourento pássaro
triste sina
alma atormentada
sem asas
agrilhoada




Ianê Mello




*

Pintura de Tomasz Alen Kopera


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

MENINA DOS OLHOS





Olhos ardem
pálpebras cansadas
turva visão
menina adormecida



Colírio para clarear
gotas de ilusão
despertam do sono
a menina adormecida






Ianê Mello


(13.11.12)


*Pintura de Paul Klee

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

COISAS QUE A MATURIDADE TRAZ




Assim um dia nasci...
era dia dos namorados,
uma bela data para nascer,
mas sem graça cresci
Na minha infância,
tímida e “sem sal”,
passava desapercebida
pelos cantos das muradas,
me escondendo do mundo
As pessoas me intimidavam,
seus olhares de cima a baixo,
seus sorrisos maldosos,
seus gestos sem perdão
Dia a dia fui aprendendo
que para sobreviver
é preciso ser forte,
é preciso acreditar em si mesma,
é preciso aprender a caminhar
de cabeça erguida e olhar atento
Agora, adulta que sou,
trago em mim a passagem dos anos
e o desejo de ser mais que uma lembrança
Não tenho todas as respostas que quero
mas não me canso nunca de perguntar.


Ianê Mello

(08.11.12)

*
Pintura de Paul Klee

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

PARA SEMPRE NA MEMÓRIA




A solidão permeia o entardecer, tingindo de cinza o alaranjado céu. A casa vazia, o silêncio em cada cômodo. Nos móveis antigos o abandono retratado numa fina camada de pó que os recobre. Sobre as janelas, uma pesada cortina de veludo cor de vinho se encarrega de filtrar qualquer passagem de luz externa, qualquer contato com o mundo lá fora. No sofá esverdeado, com o tecido já gasto pelos anos, um corpo repousa inerte. As mãos pendentes sobre o corpo imóvel, que só se percebe com vida por um leve movimento em seu peito, causado pela fraca respiração, lentamente cadenciada. Olhos fixos no teto onde uma aranha distraída tece sua teia. O relógio bate as horas. Intermináveis horas de dor e espera. Na parede um único retrato, já amarelecido pelo tempo.  Mulher de pele clara, rosto emoldurado por fartos cabelos loiros e os olhos de um profundo azul. Um azul tão intenso que se pode quase jurar que esses olhos podem ver através da moldura, atravessando o tempo e a própria morte. Sim, essa mulher retratada já viveu nessa casa um dia. Com ela, a alegria irradiava, preenchendo todos os espaços. Tudo era só luz e beleza.  Quando ela se foi deixou apenas o vazio que nada pode preencher. Nessa mesma casa onde tudo agora é só silêncio, sobrevivem os fantasmas do passado, nesse homem que cultiva, dia e noite, noite e dia, a memória da mulher para sempre amada.


Ianê Mello


(07.11.12)

*
Pintura de Yuri Yarosh

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

SENTIDOS AGUÇADOS





O pulso pulsa
num frêmito existir
no fervor do sangue
nas veias a correr
urgências de viver
uma fome imprecisa
um insaciável sentir
urdiduras entrelaçadas
em fios de seda
uma pungente agonia
em altos brados
ressoa em ardis
ardentes desejos
inconfessáveis trajetos
inquietas pausas
tremores e suores
em cavernosos corpos
umidificados no leito
em letárgicos abandonos
imponderável deleite
na consumação do ato
redenção sem súplica
branco espasmo estremece


Ianê Mello


(03.11.12)

*
Pintura de Katarina Ali.


sábado, 3 de novembro de 2012

INCANSÁVEL ESPERA




Nesse momento tênue
em que me cobrem as vestes
o fino tecido sobre a epiderme
num íntimo e leve contato
meu corpo reclama suas mãos
num desenfreado desejo de perder-me
...
mas você não está aqui

Tenho na solidão a companheira
de minhas noites vazias
Sem a sua presença me calo
não há brilho em meu olhar
o sorriso foge de meus lábios
e uma indiscreta lágrima
teima em rolar pela minha face

O tempo não apagou da memória
você permanece em mim
seu cheiro almiscarado
sua voz suave e rouca
seus olhos negros e profundos

Meus dias tornam-se iguais
sem maiores sobressaltos
sem promessas de alegria
amanhecem e anoitecem na saudade
na espera incansável por você


Ianê Mello
(2.11.12)

Pintura de Fabian Perez

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

SEM PERDÃO




Não, não mais...

não mais a palavra fria e cortante
não mais um adeus a cada instante
não mais a solidão na noite vazia
não mais essa imensidão sombria

Não, não mais...

Não mais esse olhar de tristeza
não mais a ausência de beleza
não mais esse viver sem sentido
não mais esse rouco gemido

Não, não mais...

Não mais esse grito sufocado
não mais esse amor guardado
não mais esse platônico desejo
não mais esse momento em que fraquejo

Não, não mais...

Não mais esse sofrer constante
não mais esse torpor do instante
não mais esse degelo na alma
não mais essa aparente calma


Não, não mais...

Não mais essa aventura insana
não mais essa coisa profana
não mais essa insensata estupidez
não mais o meu perdão outra vez


Ianê Mello

(30.10.12)

*
Pintura de David Jon Kassar.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

CENA DO COTIDIANO




Ela chega em casa exausta. Joga sua bolsa no sofá e encaminha-se para o banheiro. Abre a torneira da banheira, regulando a água para uma temperatura agradável, nem muito quente, nem muito fria: tépida. Livra-se de suas vestes com impaciência. O barulho da água a jorrar é um convite para o seu corpo cansado. Com a ponta do pé testa a temperatura antes de entrar. Perfeita! Mergulha seu corpo aos poucos, até ficar submersa, mantendo apenas o rosto fora d’água, entregando-se ao toque suave e morno, como uma carícia reconfortante a envolvê-la. Sente-se como se estivesse de volta ao útero materno. Fecha os olhos lentamente e deixa-se invadir por essa gostosa sensação. Nada mais existe nesse momento, além dessa leveza, além desse torpor. Deve ter adormecido por um breve instante. Escuta ao longe o telefone que toca, despertando-a para a vida, mas não encontra forças para se levantar. Deixa-se ficar, então, nada há de ser tão importante que não possa esperar.



Ianê Mello

(30.10.12)


*
Pintura de Alyssa Monks.