segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Tempo e o Vento

Pintura de Gustave  " Laundry Drying "





O vento a soprar
roupas no varal
ao sabor do vento
que assovia mansamente
cálida manhã
frescor de lavanda
alfazema em flor
vida que se espalha
em verdes campos
serena e tranquila
o tempo que foge
das mãos
acalentando sonhos
simples cotidiano
placidez de estar


Ianê Mello

NÓDOA DO TEMPO


Pintura de Gustave Cailebotte


No chão
uma mancha
descorou o sinteco
numa nódoa
presente, constante,
a relembrar algo

O líquido
derramado
já não se faz lembrar,
da memória
já desvanecido

Mas a mancha persiste,
insiste em ser
uma marca
que não há mais jeito
de se extinguir

No tempo que transcorre
em leves ou pesados passos
ali ela sempre estará
e a tudo vê passar


Ianê Mello


sexta-feira, 27 de maio de 2011

Vazio em Mim


Pintura de Francine Van Hove

noite
pirilampos
lua
estrelas
dentro
vazio
solidão
cansaço

pirilampos brincam na lua

dentro, o vazio da solidão e o cansaço

vida escondida nos desvãos
partida nos desencontros
afogada nas desilusões
fragmentada pelas dores

alma que grita
sangra e atormenta
veneno destilado
corre nas veias
na boca absinto

estrada tortuosa
espinhos nos pés
descalços
olhos na terra
em que piso
desejos recalcados 
no tempo perdidos

afetos
desamores
silêncios sem palavras
nem gestos
...

permaneço
...

.

Ianê Mello 

Como a lança de um Arqueiro





Pura lança que atinge em cheio o peito
com a força de um arqueiro, tão precisa
sangrando no peito a ferida ainda aberta,
a chaga do sofrer universal 
pungente e lancinante solta o grito
 preso na garganta emudecida
trancada em sua própria dor já esquecida
a voz solta num grito, num branido
fazendo-se ouvir aos quatro ventos
restituindo da palavra o real sentido.

Ianê Mello





Homenagem à João Negreiros, poeta de sensibilidade sem par, agradecendo-lhe pela inspiração que me conduziu à esses versos, a partir da leitura de seu belo e profundo texto intitulado " O benefício da dádiva".


Ouça: João Negreiros "O benefício da dádiva"

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A Fragilidade da Vida





Hoje, a angústia se fez minha companheira ao fitar um prédio em chamas. Prédio próximo à minha residência. Podia vislumbrar as chama através de seu reflexo na janela do prédio em frente ao meu. Pessoas nesse prédio se avolumavam nas varandas , movidas, talvez, pela mesma apreensão que eu e outras, acredito, que por mera curiosidade (o ser humano costuma ser curioso, mas nem sempre solidário). De onde eu estava, só conseguia ver com muita dificuldade, o prédio envolto em espessa fumaça que se espalhava. O fogo lambia lento, vagarosamente... ganhando força com o vento.
Saí à rua, pois estava próxima ao local do incêndio. Chegando lá vi que o trânsito havia sido desviado, pois a rua em que o prédio se localiza estava parcialmente interditada, onde carros de bombeiros estacionados liberavam seus homens com suas mangueiras para lutar contra o fogo insano. A dificuldade para acessar a parte do prédio incendiada era grande. Esses corajosos homens buscavam por todos os meios encontrar o melhor acesso para poderem deter o incêndio, bem como para resgatar pessoas que se encontravam ainda dentro dele, com suas vidas correndo risco. Assim como eu, pessoas saíram de suas casas e se amontoavam na rua para ver de perto o que se passava. Mas mal se podia ver a parte do prédio atingida, pois havia um recuo para chegar ao mesmo e a parte atingida pelo fogo ficava no bloco detrás, o que impedia uma visão mais clara. Como terá começado esse incêndio, o que o terá provocado? Ninguém sabia. Quando voltei para casa, liguei a televisão em busca de notícias, pois me sentia aflita e queria saber se havia vítimas. Quase nada se falava, apenas o superficial, pois ainda ninguém sabia de nada mais concreto. Que havia vidas em risco era lógico para qualquer um, mas quantos e qual a gravidade, não se imaginava. Agora sei que houveram algumas vítimas, mas ianda não sei o estado em que se encontram. Fatos assim nos levam a sentir o quão frágil é a vida. Podemos estar tranquilamente em casa ou chegando do trabalho para o merecido descanso e sermos surpreendidos com esse tipo de fatalidade.
Imaginei aquelas pessoas que estavam dentro do prédio. Sua agonia, seu desespero, seu medo da morte e pedi por elas. Imaginei também, àquelas que chegaram de seu trabalho e encontraram esse quadro terrível. É... viver é estar preparado para tudo, inclusive para o inevitável fim que um dia certamente chegará. Ianê Mello





Créditos da imagem: Olhares.com
Uma cidade em chamas, por Bruno Miranda.



domingo, 22 de maio de 2011

O HUMANO IV




eu me enrodilho
em pernas
em braços
e amores
Me perco em sonhos,
visões, carícias
E me transporto
ao sublime
num ato de amor
Enveredo por caminhos
escondidos...
por jardins florescentes
e céu de anil
Em nuvens de algodão
me deito
extasiada e completa
Mulher que sou
Em meus olhos
rebrilham os seus
em arco-íris
de paixão
em pura luz
Minha boca
que se cala
num doce beijo
de mel e hortelã
Sou sua
e cada vez mais
sou minha
Em você
me reencontro
Inteira, intensa, verdadeira.

Ianê Mello


THE HUMAN IV



And I am curled

in legs

in arms

and affairs

I get lost in dreams

visions, cherishes

And I move myself

to the sublime

in an act of love

go through paths well hidden ...

by flourishing gardens

and a indigo sky

Into clouds of cotton

I lie

ecstatic and complete

the woman I am

In my eyes

its glittering yours

by a rainbow

of passion

into pure light

My mouth

that shuts

in a sweet kiss

of honey and mint

I am yours

and increasingly

I am mine

In you

I rediscover me

Full, intense, accurate.



Poema: Ianê Mello

Tradução: Beto Palaio

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Naquela tarde...







Naquela tarde chuvosa eu só precisava de um abraço,
um afago, um toque de mãos
Naquela tarde chuvosa era tudo o que eu precisava
e de meus olhos escorreriam lágrimas de chuva.


Ianê Mello

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O Grito

Foto de Alyssa Monks




desespero e angústia
ecoam num grito
animalesco, gutural
nessa prisão
consentida ou não
transgressora de regras
regalias em submissão
ego contido
reprimido
vida sem permissão
nos limites que aprisionam
encarceram a dor no peito
o humano se transforma
num simples animal
 enjaulado...


Ianê Mello 

VISÃO DO TEMPO


Tela de Toulouse Lautrec





O medo que perpassa
cabelos em desalinho
arqueadas costas
em súplicas contidas
na espera desmedida
o tempo que se esconde
minutos, horas, dias
o mormaço provocante
com sabor de saudade
na janela a penumbra
revela tão só presença
no vazio do recinto
a falta que ela faz


Ianê Mello

O FIM




O sangue que escorre agora

... vermelho-sangue...

no sujo asfalto da rua

é o mesmo sangue

que corre nas veias

e circula vida

a vida que se esvai

desprovida de sabor

arrancada por outrem

como um direito

que dele se apossa

tão frágil vida

num átimo de segundo

apenas um sopro

na lentidão da morte



Ianê Mello

Mente Inquieta







Minha cama macia e quente
me convida ao doce sono
mas meu coração 
não se aquieta
não se entrega em abandono
Pensamentos me acometem
e me tomam de assalto
como nuvens escuras
que se avolumam no azul do céu
A tempestade se anuncia
como encontrar a paz que anseio?
Meu corpo dorido e cansado
deixa marcas no colchão
Levanto contrariada
É o que me resta no momento
Encontrar algo a fazer
que leve embora esse tormento
Nessas horas eu encontro
na poesia minha salvação
e a ela me entrego
de corpo e alma
As palavras bailam na tela
num vai e vem constante
em rodopios e saltos ...
Às vezes fazem sentido,
noutras, acho que não
Mas o que importa?
Varro da minha mente
a poeira do passado,
as auguras do presente
e quando enfim acabo
deito meu corpo e adormeço...


Ianê Mello


sábado, 7 de maio de 2011

Ser Mãe






Mãe, mulher que nasceu para amar
o amor mais sublime possível de conceber
Dar a luz a um novo ser
e à ele se entregar, de corpo e alma

Mãe, braços que abrigam a calma
que se espera encontrar
em difíceis momentos da vida
Nesse abraço faz-se a acolhida
ao nosso pranto e dor
Mãe, palavra que inspira o Amor

Amor total, sem limites
mesmo em momentos de confronto
quando a voz se eleva em repreensão
pois não queremos, na verdade,
que nosso filho sofra em vão

Esse sofrer não podemos evitar
e nos dói  no coração
quando nosso filho vemos a penar
nas dores da desilusão

Gostaríamos de criar a sua volta uma redoma
que os protegesse de todo o mal
mas  sabemos que a vida é uma soma
e pior seria mascarar o que é real

Deixemos, então, crescer nossos filhos queridos
atentas às suas necessidades
e quando estiverem feridos
cuidemos deles com toda nossa bondade.

Em nossas mãos  temos uma vida
que geramos em nosso ventre
Não há, então, outra saída
a não ser juntos seguirmos em frente


Ianê Mello






Deixo à vocês nesse dia, que na verdade é uma mera convenção, pois somos mãe todos os dias, um grande e terno abraço.

Com meu carinho maternal,

Ianê Mello.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Amar o Amor





O amor é cheio de segredos
sentimento nobre
embora nem sempre reconhecido
Amor de pequenos gestos
olhares de carinho
toques sutis
constante presença
Amor que se dá
sem nada esperar
sem troca
sem barganha
sem medidas
Amor que cicatriza
antigas feridas
Amor que acalenta o espírito
Amor que renova
Amor que suporta
toda e qualquer prova
Amor que não finda 
Amor que subexiste
Amor que prolifera
no cansaço da espera
Amor que confia
Amor que deseja
pura e simplesmente
...
AMAR




Ianê Mello


Esperando o Trem

José Rosário " Esperando o trem"


Coisas do interior
aquela conversa fiada
na beira da calçada
na estação
esperando o trem chegar
a paisagem ao redor
pasto verde e farto
onde bois estão
a pastar
ou simplesmente a descansar
sobre a relva
simples vestes
a cobrir os corpos
de almas simples
como faz bem a simplicidade
os dias passam lentos
no escorrer das horas
nos dias cálidos
na mansidão do momento


Ianê Mello


Pintura de José Rosário- http://joserosario3.blogspot.com/

O Fantasma do Medo







medo, medo, medo
qual será o segredo
para vencer o fantasma?


enfrentá-lo é preciso

encará-lo de frente
com coragem e garra

o medo é vencido



Ianê Mello

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Amor que Frutifica







Há momentos de imensa paz
em que nosso coração
encontra a calmaria
Momentos livres
onde dentro de nós
achamos o repouso
a chama da esperança
a cicatrização das feridas
Momentos em que o amor
implode em nosso peito
nos tomando por inteiro
num profundo amor-próprio
para em seguida explodir
não cabendo mais em si
numa cascata de luz
que se espalha pelo ar
luzes de amor que iluminam
todos os seres ao redor
toda criatura viva
espalhando na terra
sementes de bem-querer.




Ianê Mello


PALAVRAS LIBERTAS






as palavras ressoam
retornam ao branco do papel
tingem-no de escarlate
em sombras e deslizes
a mão percorre suave
embora atenta
guiada pelo lamento
que dentro se avoluma
permita, palavra
sua livre expressão
por este ser em conflito
inacabado e imperfeito
que em você ainda encontra
algum refúgio para a dor
que deveras assalta
uma alma atormentada
palavra... palavras...
não se apartem de mim
sejam meu verbo
minha voz entoada
o grito no escuro
o entalhe na carne
em carne viva exposta
palavra tingida
em sangue ungida
palavra que cura
remedeia a ferida
palavra que ganha

........

asas...



Ianê Mello

Nuvens







Por detrás das nuvens

o sol sempre brilha...

nuvens de algodão

Em pingos dágua

luz refletida

em cores se fragmenta

Arco-íris

no céu





Ianê Mello


terça-feira, 3 de maio de 2011

E se Fosse...




E se fosse apenas
uma palavra presa
na garganta
que como num espasmo
de dor lancinante
ecoasse num grito
E se fosse apenas
um lamento
um gemido rouco
que rasgasse o ar
num uivo animal
E se fosse apenas
a vida se esvaindo
como sangue a escorrer
no chão 
caído
como uma poça ...
... 
inerte


Ianê Mello

segunda-feira, 2 de maio de 2011

FRAGMENTADA



hoje a vida parou
num fragmento de espaço
o tudo se torna ausente
o vazio toma forma
uma pessoa
um vulto
um bem querer
uma falta que se faz
no passar das horas
aonde estarás?
sem palavras
sem desculpas
sem apelos
sem despedidas
um corpo na bruma
que se esgueira
e simplesmente
se desfaz...



Ianê Mello

domingo, 1 de maio de 2011

Em Silêncio...



Sabe, já não sinto mais
o gosto amargo em minha boca
como não sinto o sal das lágrimas
que escorriam do meu rosto
Já não há lágrimas...
Dentro, apenas dentro
há sempre um vulcão pronto
para explodir, mas não...
tudo o que sinto é o peito
a queimar em lavas...
inevitável implosão
Dentro, apenas dentro
me sinto viva
ou o que de mim ainda resta
do que fui um dia
num passado
que hoje é apenas névoa
na escuridão
Deveria dizer palavras amenas,
palavras de encantamento,
palavras de esperança
Me desculpem, não agora...
minha alma dentro apenas chora
um choro contido e em silêncio
...........

Apenas peço que respeitem
minha dor...


Ianê Mello